Se em “Yo maté a Kennedy” o personagem Pepe Carvalho é engenderado pela primeira vez, neste “Tatuaje” o encontramos já no formato em que ele passará a ser conhecido por sua legião de aficionados. É bom registrar que estes aficionados o seguiram como bacantes em festa por trinta anos, até o cárcere de “Milênio”, último volume da saga do detetive catalão (galego de nascimento.) Manuel Vázquez Montalbán em “Tatuaje” nos faz encontrar pela primeira vez vários personagens da série: o engraxate Bromuro, fornecedor de informações que só alguém das ruas e sem medo dos vapores que emanan das Ramblas (do Caganell diria mais apropriadamente o Robert Hughes que eu abandonei, mas a quem em breve voltarei); a voluptuosa Charo, prostituta que manterá um relacionamento curioso com o detetive até o final; o vizinho iconoclasta Fuster, senhor dos comentários curtos e dos conselhos econômicos e jurídicos invariavelmente trocados por comida; o estafeta Biscuter, ex-colega de cadeia, ou Ginés, o delegado ainda franquista, saudoso das masmorras da Via Laietana. Também temos vislumbres da serra de Collserola, do distrito de Vallvidrera, lugar mítico da casa de máquinas da cozinha terroir e primordial de Carvalho e é claro, como não, temos Barcelona, a eterna feiticeira. Todos aparecem ao menos um tanto. Acompanhamos Carvalho na solução de um crime pelos carrers de Barcelona e pelos canais de Amsterdan. Elipticamente ficamos sabendo uns poucos detalhes do passado de Carvalho, nada muito detalhado, apenas pinceladas de informação, que mais iludem que explicam. A política espanhola da metade da década de 1970 aparece, exuberante e contraditória, exatamente como o próprio detetive, que afinal foi comunista e agente da CIA, e que é um intelectual de formação universitária sólida, mas que também queima livros como se enfadasse da cultura. A solução do crime, descobrir como sempre quem afinal matou o homem tatuado das primeiras páginas é o de menos, pouco importa de verdade. Em “Tatuaje” aprendemos a respeitar este sujeito inverossímel, irreal, mas pleno de vida que é Pepe Carvalho Tourón.
"Tatuaje”, Manuel Vázquez Montalbán, editora Planeta, 1a. edição (2004), brochura 15x23cm, 226 págs. ISBN: 978-84-08-05131-2
2 comentários:
Guina!
Terminei ontem o Tatuaje, na verdade o primeiro livro que leio em espanhol. Passei uma curta temporada na Colômbia nas primeiras semanas de 2016 que me deixaram algum legado da língua, mas esta foi a primeira incursão real com o castelhano e posso dizer que fiquei surpreso como gostei da experiência! As sacadas de Pepe, sua iconoclastia (a queima dos livros é uma cena e tanto), as digressões, os ambientes e os cheiros das refeições, tudo me fizeram ter o anseio por respirar os ares das Ramblas ainda mais, desde que li alguns livros do Zafón. Vi algumas semelhanças entre Carvalho e o nosso bom e velho Brunetti, apesar de ter me afeiçoado mais com Pepe. Obrigado por me fazer conhecer Montalbán e por vencer a barreira da língua. Já estou com mais três livros do Montalbán, todos em espanhol. Prossigamos!
PS. A propósito, se puder dar uma olhada na resenha que fiz sobre o livro...
https://abuscademimmesmo.wordpress.com/2018/09/05/livro-lido-tatuaje-de-manuel-vazquez-montalban/
Postar um comentário