quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

os alegres rapazes de atzavara

Após tantos livros de Montalbán o que eu posso ainda dizer? É sempre um prazer renovado encontrá-los, como este, publicado em Portugal (o que dá extranhas sonoridades à leitura), achado em um sebo portoalegrense noutro dia mesmo. Este Os alegres rapazes de Atzavara não pertence aos da série Carvalho, mas deixa transparecer a mesma preocupação de Montalbán em contar um tanto da história da Espanha. Se nas novelas policiais aprendemos algo sobre as mudanças econômicas e políticas espanholas pós morte de Franco neste mais diretamente acompanhamos as mudanças sociais, as mudanças de hábito da sociedade. No romance quatro narradores distintos comentam os fatos do verão espanhol/catalão de 1974, aquele em que o país descobre que Franco está muito mal de saúde, hospitalizado (sua agonia duraria ano e meio ainda, o que deu chance para todos os democratas oprimidos por décadas se abastecerem com garrafas de cava - espumantes - para comemorar o esperado passamento do sujeito, o que de fato aconteceu em novembro de 1975). Na ficcional cidade litorânea de Atzavara (Sitges talvez?) vive-se uma espécie de revolução sexual catalã (ecos algo tardios do que acontecia já a uma década nas demais grandes cidades européias e nos Estados Unidos). Os personagens são burgueses catalães algo heterogêneos: há os homossexuais liberados, mulheres divorciadas e senhoras de seu destino, casais convencionais talvez algo permissivos, profissionais liberais e intelectuais, além de dois pares de observadores externos a este grupo: dois operários simples e dois artistas plásticos jovens. Os quatro narradores comentam aspectos variados das relações entre eles e os outros, discutem os sucessos daquele verão, analisam como tudo aquilo influenciou suas vidas e seu futuro. É um Montalbám com suas obsessões de sempre mas desta vez sem a gastronomia e as visitas inspiradoras a restaurantes promovidas pelo detetive Carvalho. É um livro melancólico e triste, onde ao final vence a hipocrisia e o acomodamento. Difícil não simpatizar com Montalbám e suas escolhas morais, pois o livro é quase o testemunho de uma época, um estudo do coração humano. Em um trecho um personagem diz: "Finalmente ela também descobriu a mediocridade obscena da realidade. O que não evita que tenhamos de assumí-la, com todas as consequências, quando a ocasião o requer." Duro mas verdadeiro. Ainda tenho mais Montalbán nos guardados, mas eles vão ficar para a fornada do ano que vem.
"Os alegres rapazes de Atzavara", Manuel Vázquez Montalbán, tradução de Helena Ramos e Artur Ramos, publicações Don Quixote (1a. edição) 2001, brochura 15.5x23.5, 246 págs. ISBN: 978-972-20-1969-4

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