"O reino deste mundo" conta alegoricamente uma história terrível. Alejo Carpentier publicou este livro originalmente em 1949 e nele é descrito um tanto sobre o Haiti dos anos de sua revolução de independência, algo entre o final do século XVIII e começo do século XIX. Há um personagem que percorre as histórias do livro, da juventude à velhice, sempre padecendo das desventuras pelos quais passou o povo haitiano. O Haiti foi o primeiro país do mundo a abolir a escravidão, mas sofreu boicotes e retaliações comerciais durante décadas que o levaram a um grau de pobreza difícil de ser entendido, mesmo para quem conhece o padrão de pobreza e miséria intelecutal brasileiros. Bueno. O livro inclui uma introdução onde o próprio Carpentier apresenta seu projeto do "real maravilhoso", que conhecemos pela denominação mais comum de "realismo fantástico". Logo depois Carpentier inclui uma epígrafe de Lope de Vega. Neste ponto um sujeito já deve se considerar avisado, o que se lerá é mesmo violento. O livro é dividido em quatro seções. Na primeira rapaz escravo, Ti Noel, conhece um outro escravo chamado Mackandal que perde um braço, aprende tudo que pode sobre magia e ervas com os velhos escravos africanos, foge e organiza uma rebelião, envenando poços, animais, os senhores brancos. Com o tempo a rebelião é sufocada e Mackandal morto. Na segunda seção Ti Noel já tem muitos filhos. Uma nova rebelião acontece, organizada por um jamaicano chamado Boukman. Parte da população branca que sobrevive (entre eles o dono de Ti Noel) emigra para Cuba. A repressão à rebelião é violenta e o lider morto. O que hoje se conhece como vodou, a religião (um sincretismo na verdade) praticada por parte dos haitianos se fortalece. Nesta parte Carpentier descreve como a religião católica e os ritos pagãos se fundem e se comunham. É bem interessante. Na terceira seção do livro Ti Noel já tem um novo dono que o liberta, ainda na ilha de Cuba. Ele emigra de volta ao Haiti. O país é governado pelos negros que oprimem os negros de forma ainda mais brutal e irresponsável. O "rei" do país resolve construir uma fortaleza enorme usando a força dos escravos. Ele empareda um bispo católico nela, tem um colapso nervoso e é deposto. Na última seção do livro, pequena, como uma coda musical, os fatos da vida haitiana atingem seu aspecto mais surreal. A viúva e os filhos do "rei" deposto são exilados na Itália (com o beneplácito dos antigos dominadores franceses - que cobrarão dos novos governantes uma indenização impagável). Ti Noel volta as ruínas de sua primeira senzala e vê como aos poucos a região vai sendo visitada e dominada por mulatos, os novos senhores do país, ainda mais rapaces e violentos que suas encarnações anteriores. Ti Noel, velho e alquebrado, memória viva das desgraças de seu povo, desaparece em um lugar chamado Bois Caïman, lugar onde se realizavam as cerimônias vodou de enfrentamento ao domínio francês. Quando leio os comentários bizarros de lula e seus petistas amestrados, de um ministro da defesa que mais comporta como um napoleão de hospício e dos néscios jornalistas que tentam explicar o recente terremoto que aconteceu no Haiti percebo que a história do Brasil, se não é tão trágica como a do Haiti, gerou à semelhança deste uma elite governante patética e imoral, que nada mais faz do que tanger sem fim uma população de ágrafos imbecis. [início 28/01/2010 - fim 01/02/2010]
"O reino deste mundo", Alejo Carpentier, tradução de Marcelo Tápia, editora Martins Fontes, 1a. edição (2009), brochura 14x21 cm, 132 págs. ISBN: 978-85-61635-24-4
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