Nesse curioso livro encontramos dois contos curtos: "O galo Adamastor" e "Val e Lalinha". Ambos são explicitamente inspirados por narrativas de Machado de Assis, o primeiro pelo conto "Idéias de canário" (originalmente publicado no livro de contos "Páginas Recolhidas", de 1899) e o segundo pelo romance mais famoso de Machado: "Memórias póstumas de Brás Cubas", de 1881. Oliveira Neto é professor universitário, trabalha com literatura, já publicou outros livros e conhece bem a obra de Machado de Assis. O que ele oferece em seus contos é uma versão contemporânea de algumas idéias de Machado, como se ele quisesse adaptar o estilo de Machado aos dias atuais (ao público atual, afinal de contas). A ambientação é contemporânea. O primeiro conto se passa numa vívida Florianópolis, com um narrador que se utiliza de redes sociais, carrega um tablet, vai ao shopping, faz selfies. Esse narrador, algo mambembe, algo amalucado, conta uma história onde quem entende o mundo e as coisas do mundo é um galo de briga que ele compra (mais pelos ensinamentos que recebe do bicho que para usá-lo em rinhas). O galo fala ao narrador como a liberdade é antes uma prática que um conceito abstrato e de como é possível perder-se em ilusões, aconselhando-o a procurar ajuda. O segundo já é uma narrativa urbana, entre uma psicóloga e uma interna de um presídio carioca, Lalinha, que lá está por ter presumivelmente morto uma rival amorosa, Val. As várias encarnações bandidas de Lalinha saem de seu prontuário policial e soam quase míticas, como são as aventuras de alguém que já viveu muito e sabe todos os desfechos possíveis. Os homens são secundários na trama, soam tolos com suas façanhas. Quem define o mundo é Lalinha e sua lógica. Mas assim como na história de Machado o leitor jamais saberá se ela é mesmo culpada ou inocente daquilo que é imputado a ela. Se nos dois contos encontramos cousas que são bem próprias de Machado de Assis: capítulos curtos, um narrador que se dirige sempre ao leitor, ironias nada sutis, um realismo que dói, bom humor e linguagem cheia de matizes, encontramos também as preocupações de alguém que vive nesse complexo Brasil do início do século XXI. Enfim, se os dois contos são mesmo releituras de histórias de Machado de Assis, são também histórias que se defendem sozinhas. Talvez fosse o caso do Godofredo de Oliveira Neto produzir mais pastiches de histórias machadianas.
[início: 20/08/2015 - fim: 22/08/2015]
"Ilusão e mentira: As histórias de Adamastor e de Lalinha", Godofredo de Oliveira Neto, Rio de Janeiro: editora Batel, 1a. edição (2014), capa-dura 14.5x21,5 cm., 100 págs., ISBN: 978-85-995-0849-7
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