sábado, 5 de setembro de 2015

para que no te pierdas en el barrio

"Para que no te pierdas en el barrio" é o romance mais recente de Patrick Modiano, publicado uns poucos meses antes dele receber o prêmio Nobel (em outubro do ano passado). Como quase sempre em seus romances há três planos temporais onde habitam seus personagens, que são inspecionados por seus narradores, que se prestam para o exercício quase policialesco de descoberta de um mistério entranhado nas lembranças destes personagens e narradores. No caso deste último livro a aventura começa quando o narrador da vez, Jean Daragane, um escritor algo solitário e cheio de manias, recebe, em novembro de 2013, a visita de um casal que encontrou perdida uma velha agenda de telefones sua. O casal quer que ele os ajude a obter informações sobre uma das pessoas registradas naquela agenda, mas Jean não tem memória imediata de quem ela poderia ser. Aos poucos afloram dois outros planos temporais, um de sua infância, no início dos anos 1950, quando estava aos cuidados de uma mulher chamada Annie Astrand, longe dos pais e outro, aproximadamente quinze anos depois deste primeiro, quando Jean, ainda jovem, quase emancipado, com seus vinte e poucos anos, entra em contato com essa mesma Annie para obter dela informações que viria a usar em seu primeiro romance. O que se narra são as tentativas de Jean de recuperar aquilo de suas encarnações como criança e como jovem adulto que ainda pode ser relacionado a Annie. Ele é continuamente estimulado com perguntas (quase ameaçadoras) que recebe do casal encontrou sua agenda, mas talvez essas pessoas sejam apenas invenções suas, personagens secundários que ele mesmo criou no esforço por emular Annie novamente. Paris tem sobreposta à sua geografia três períodos de tempo (1951, 1965, 2013), como num palimpsesto. O narrador caminha pelas ruas de sua infância, juventude e velhice, conversa com pessoas que parecem saber mais do que ele, mas mesmo isso nunca é certo. Aos poucos alcança aquele ponto onde percebe que não há nada de realmente importante e fundamental a ser lembrado daquilo, que é hora de se envolver em outros projetos, deixar-se alimentar por outras obsessões, deixar-se consumir por outra compulsão qualquer. Não é assim que cada um de nós faz quando, por exemplo, deixamos de nos iludir com o valor de alguma informação do passado associada a um objeto qualquer, a uma passagem de um livro, a um trecho de música antiga e nos livramos disso tudo? Assim segue a vida, essa ansiosa vida.
[início: 23/08/2015 - fim: 25/08/2015]
"Para que no te pierdas en el barrio", Patrick Modiano, tradução de María Teresa Gallego Urrutia, Barcelona: editorial Anagrama (Panorama de Narrativas #900), 1a. edição (2015), brochura 14x22 cm., 149 págs., ISBN: 978-84-339-7930-8 [edição original: Pour que tu ne te perdes pas dans le quartier (Paris: éditions Gallimard) 2014]

2 comentários:

Paulo Sousa disse...

Caro Guina,

você e seu estilo de tornar os livros ainda mais interessantes! Meu desejo é poder ler algum dia algo seu, ainda que seja um volume que deliciosamente fala de livros, como o Manguel faz.

Acabei de ler este livro e que coisa deliciosa é essa prosa do Modiano! Certamente lerei outras "cousas" dele, principalmente graças à camada de cor extra que suas resenhas sempre trazem sobre a literatura...

Evoé!

Aguinaldo Medici Severino disse...

Grande Paulo, abraço forte. Sempre grato pelas palavras gentis. Todavia, já sabe, não sou o tipo de cara que um dia publicará um livro. Só deixarei estas resenhas/registros aí, até quando existir blogspot em alguma nuvem. Todos os livros do Modiano que li envolve esta busca por informações de um passado escondido, onde imaginação e memória competem entre si. Não entendo quase nada de francês. Uns amigos meus que entendem dizem que a prosa dele é boa mesmo de ler em francês, mas que o sujeito precisa prestar atenção na trama para não se perder. Abração véio.