Admirado com o acabamento da boa edição que "As ilhas gregas" de Lawrence Dürrell ganhou da portuguesa Relógio D'água resolvi comprar outros volumes da coleção de livros de viagens deles. "Homenagem a Barcelona" é de Colm Tóibín, premiado escritor irlandês. Ele viveu em Barcelona por muitos anos e aprendeu a amar a cidade. Isso costuma acontecer após algum tempo, mas não com todo mundo, nem o tempo todo, pois não é fácil, como parece ao experimentarmos os primeiros deslumbramentos, entender as sutilezas e matizes do caráter dos catalães. Ele viveu em Barcelona quase ininterruptamente entre 1975 e 1978, mantendo-se com aulas de inglês e morando em apartamentos baratos. Depois voltou à cidade, em um ano sabático, já escritor experimentado e com algum dinheiro, em 1988, justamente por encomenda para escrever esse livro, antecipando a curiosidade dos leitores europeus com os sucessos que viriam com a Olimpíada de 1992. O livro é antigo, de 1990, foi parcialmente reescrito em 2002, mas muito daquilo que Tóibín registra é perene, já que nem de longe se trata de um livro para fins turísticos. Gostei particularmente de suas reflexões sobre história e política, sobretudo sobre a guerra civil espanhola, pois ele rapidamente, e com clareza, explica a complexidade das forças políticas e interesses cruzados experimentados pelos cidadãos, seja sobre o período da guerra civil, seja sobre o período que se segue a redemocratização, com a morte de Franco. Tóibín é muito feliz em sua técnica de utilizar um artista plástico, poeta, músico ou arquiteto (Picasso, Miró, Dalí, Casals, Lorca, Maragall, Cerdà, Montaner, Gaudí e Cadafalch) para com ele trilhar uma parte de Barcelona, um parque ou edificação, um período de tempo da história da cidade ou o interior profundo da Catalunha. Seus comentários sobre a língua catalã e as relações sociais dos catalães me pareceram menos brilhantes que os registros políticos e/ou históricos. Para entender algo sobre arte e arquitetura ainda prefiro o detalhamento que se encontra no livro de Robert Hughes, mas esse livro de Tóibín tem algo o Hughes não tem, parece ser mais familiar, quente, menos crítico, definitivo e frio. São experiências de leitura muito diferentes. Escritor talentoso como é, ele enfeitiça o leitor com sua prosa envolvente, criando imagens incríveis das festas, danças, explosões de fogos, dos bares e restaurantes, das mitologias antigas que brotam do chão e das pedras da cidade. Sua descrição das festas da paixão e de Páscoa em um pequeno vilarejo próximo a Girona, dos passeios solitários pela Costa Brava e da aglomeração na Diada (festa nacional da Catalunha, 11 de setembro) são impressionantes. Tóibín contrasta a cidade que conheceu em 1975 com aquela de 1988. Saudosista, faz coro com seus amigos catalães que reclamam dos turistas mal educados, daqueles que não apoiam a causa da independência catalã, dos imigrantes que não praticam o catalão e suas tradições sagradas. Não consigo imaginar o que ele diria da Barcelona de 2017, meca do turismo de massa, hiper cosmopolita. Cabe registrar que o título do livro faz homenagem ao escritor George
Orwell, que lutou na guerra civil espanhola e escreveu sobre ela, em seu
"Homenagem a Catalunha", de 1938. Vale.
[início: 09/04/2017 - fim: 18/04/2017]
"Homenagem a Barcelona", Colm Tóibín, tradução de Ana Falcão Bastos, Lisboa: Relógio D'Água Editores (coleção Viagens), 1a. edição (2016),
brochura 13x20 cm., 274 págs., ISBN: 978-989-641-640-0 [edição original:
Homage to Barcelona (New York: Simon and Schuster Ltd), 1990]
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