Li "Stempenyu" enquanto velava meu pai num hospital, exatamente num 23 de abril, dia do livro, dia de se lembrar de Shakespeare e Cervantes. Meu pai se recuperou bem de sua cirurgia e ambos continuamos a viver para lermos mais um tanto. Escrito originalmente em iídiche, no final do século XIX, essa novela de Sholem Aleichem fixa em palavras algo da vida dos judeus asquenazes nos "Shtetlech", bairros ou cidadezinhas da Europa oriental, no interior do Império Russo, cuja população era predominantemente judaica. Stempenyu é um violinista virtuoso, cuja música enfeitiça que a ouve. Músico principal de uma orquestra, viaja de vilarejo em vilarejo para tocar em festas religiosas e casamentos. É um sujeito sedutor, acostumado a provocar paixão nas garotas da região, sem nunca se envolver completamente com elas. A história não é contada cronologicamente. Aos poucos ele se lembra de um ou outro detalhe das aventuras ora verossímeis ora fantasiosas de seus personagens. Sendo assim, Aleichem antecipa ao leitor alguns sucessos, para logo voltar no tempo e justificar as razões dos protagonistas e os caminhos que os levaram até aquele ponto da narrativa. O tom é bem humorado, mas com o toque característico do melhor humor judaico, ou seja, que antes ri de si mesmo, perscrutando bem suas próprias limitações e defeitos, ao invés de ridicularizar um oponente ou interlocutor. O destino de Stempenyu será definido por duas mulheres, Rochalle e Freidel, mas não darei nenhum detalhe aqui. Ao longo do texto o narrador da história se dirige pontualmente ao leitor advertindo-o dos porquês de suas escolhas, sobre os sucessos da trama, as motivações dos personagens. Cabotino, diz ao leitor que seu romance não é interessante, por não conter cenas de ação ou descrever acontecimentos extraordinários, ou por não abusar do romantismo ou do melodrama. Mas o que Sholem Aleichem cria é algo poderoso, que faz o leitor descansar da loucura do cotidiano e sonhar. Esse
livro faz parte de uma coleção de histórias curtas (A arte da novela, da Grua Livros, originalmente produzidas pela Melville House Publishing, das quais já li: "A briga dos dois Ivans", "A lição do mestre", "O colóquio dos cachorros", "Michael Kohlhass", "O véu erguido", "O homem que corrompeu Hadleyburg" e "O homem que queria ser rei" e "A pedra de toque"). Vale.
[início: 23/04/2017 - fim: 24/04/2017]
"Stempenyu: Um romance judaico", Scholem Aleichem, tradução de Adriana de Oliveira, São Paulo: Grua livros,
1a. edição (2014), brochura 13x18 cm., 216 págs., ISBN:
978-85-61578-36-7 [edição original: (St. Petersburg: Folks-bibliotek) 1888 e (London: Methuen and Co.) 1913]
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