terça-feira, 7 de julho de 2020

lacombe lucien

"Lacombe Lucien", filme de Louis Malle, foi lançado em 1974, mas eu só o assisti em 1980 ou 1981. Lembro-me bem do filme, sobretudo porque naquela época eu lia muito Paulo Francis e ele era particularmente sádico em denunciar reiteradamente a sociedade francesa, falando do porco papel de boa parte daquela população durante a ocupação alemã, na segunda grande guerra. Recentemente comprei um pacote de livros do Patrick Modiano, dentre eles a versão original do roteiro do filme, que é assinado por ele e o diretor, Louis Malle. A leitura silenciosa do livro é tão impactante quando o filme. Não me cabe aqui contar detalhes do  roteiro/filme, claro. Só recomendo, como um dos filmes fundamentais, que todos deveriam tentar ver, mas sei que isso dificilmente acontece, tão anestesiados estão os viventes deste desgraçado país. Gostei de ler o roteiro. Não sou mais aquele jovem de vinte anos, que se instruía na vida, tentava ilustrar-se e que era praticamente imune ao cinismo. Hoje, já praticamente sessentão, vejo a desgraça dos atos e destino daquele protagonista como fruto do completo acaso, como quase tudo nesta vida. Retrospectivamente é fácil ser heroico, estar do lado certo da história, esbanjar bom mocismo, máximas éticas e morais. Noutro dia vi uma entrevista com um de meus gurus espanhóis, o escritor Arturo Pérez-Reverte, em que ele dizia desprezar muito mais a estupidez que a maldade. Segundo ele tendemos quase sempre a sermos condescendentes com as pessoas simples, mal educadas, idiotas, reputando a elas uma inocência que as blindaria dos funestos desdobramentos de suas insensatas escolhas e decisões. Lacombe Lucien é um destes sujeitos, que sempre existiram e existirão, que passam pela vida sem entender quase nada de sua complexidade. Grande livro. Grande filme. Grande Modiano e grande Louis Malle. Vamos em frente. Vale! 
Registro #1551 (drama #21) 
[início - fim: 12/06/2020]
"Lacombe Lucien", Louis Malle e Patrick Modiano, tradução de María Teresa Gallego Urrutia, Barcelona: editorial Anagrama (Panorama de Narrativas #981), 1a. edição (2018), brochura 14x22 cm., 156 págs., ISBN: 978-84-339-8011-3 [edição original: Lacombe Lucien (Paris: éditions Gallimard) 1974]

Um comentário:

Paulo Sousa disse...

Grande Guina! Topei outro dia com esse título, soube inclusive que era baseado num filme homônimo, mas, anestesiado crônico que estou, apalermado com os desmandos desse país, acabei esquecendo. Com teu texto, renasceram não só o desejo de ver e ler o título como até vou desembalar a minha trilogia do Modiano, há alguns anos desprezada por minha preguiça endêmica. Li um livro dele, delicioso, “para não se perder pelo bairro”, algo assim, e fiquei entusiasmado com texto tão jovial. Prossigamos!