quarta-feira, 26 de agosto de 2020

medio siglo con Borges

Como já disse antes, nestes tempos
difíceis, agressivos, cruéis, dementes e sombrios de pandemia só nos resta seguir o baile, ou combater a estupidez generalizada com alguma boa prosa ou poesia. Desde 17 de março, até uns poucos dias, fiquei isolado em meu bivaque particular, nas terras altas de Itaara, com meu Cappuccio servindo-me de guarda. Tive dificuldades para retornar ao apartamento citadino, aos ruídos da urbe, bem diferentes do campo, à presença das gentes e de suas circunstâncias, à proximidade das notícias que correm ao vento. Mas o hábito, sempre fiel camareiro, haverá de readaptar-me a tudo isso. De resto, fiquei boas semanas sem computador, daí esse hiato nos registros de leitura. Paciência. Li há tempos, portanto, esse "Medio siglo com Borges". É a publicação mais recente - saiu em abril - do genial Mario Vargas Llosa, um dos últimos grandes de todas literaturas, aí de nós. Trata-se da reunião de nove textos, artigos, entrevistas ou narrativas com um toque de imaginação, que foram publicados anteriormente em jornais ou lidos em conferências ou, ainda, já inseridas em livro. O mais antigo dos textos é de novembro de 1963: uma entrevista que Borges, já com 65 anos, venerável e cego, concede a um jovem Llosa, 27 anos, naquela época radicado na França. O mais recente é um artigo/resenha, publicado em setembro de 2014, que trata de um livro que ele encontra por acaso em um sebo, livro assinado por Borges e Maria Kodama, que desperta nele reminiscências de seus muitos anos de leitura e releitura das cousas de Borges. O leitor é levado por uma densa corrente de memórias afetivas e reflexões sofisticadas sobre a obra e a personalidade de Borges. Llosa fala das obsessões de Borges, sua biografia, seus amores, sua influência, de questões linguísticas, de sua relação com a Argentina e o Peru, enfim, de sua vida, que pode ser resumida no belo, porém triste, aforismo/epitáfio: "vivío leyendo y leyó viviendo" (que brota de uma frase ainda mais triste, da primeira entrevista, onde Borges diz: "Muchas cosas he leído y pocas he vivido"). Pode-se ler esses textos em um par de horas, mas eu fiquei com eles por dias, nostálgico e reflexivo, hedonista, "dronwing in honey, stingless", como sempre deve ser. Vale! 
Registro #1556 (crônicas e ensaios #276)
[início: 13/07/2020 - fim: 19/07/2020]
"Medio siglo con Borges", Mario Vargas Llosa, Madrid: Alfaguara (Grupo Santillana de ediciones / Penguin Random House Grupo Editorial), 1a. edição (2020), brochura 15x24 cm, 109 págs. ISBN: 978-84-204-3597-8

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