domingo, 30 de agosto de 2020

vidas imaginarias

Sobre Marcel Schwob li boas recomendações em textos de Borges e Sebald, de Vila-Matas e Bolaños, de Javier Marías e outros tantos, mas foi o industrioso José Francisco Botelho quem convenceu-me a de fato procurar algo dele. "Vidas imaginarias" é de 1896. Schwob tem uma biografia de lenda, viajou muito, leu muito e sofreu muito, mas isso um leitor curioso deve procurar por aí, sozinho, no mar piscoso e infinito  de informações recolhidas neste curioso século XXI. São vinte e dois contos, que flertam com um mundo de sonho, fantástico, que brotam de uma rara erudição, de uma imaginação dos diabos. Num bom prólogo, assinado por ele mesmo, Schwob nos ensina que muitos biógrafos, talvez por se imaginarem historiadores, se furtaram de escrever retratos verdadeiramente admiráveis por ficarem intoxicados com a vida de grandes artistas, autores, escritores, esquecendo-se que o verdadeiro engenho da arte deve ser dedicado a descrever o caráter belo e único que todas as personas possuem, tanto as ditas divinas, quanto as de famosos e medíocres ou, até mesmo, as de criminosos. Sob este estatuto Schwob escreve seus contos. As histórias incluídas em "Vidas imaginadas" reinventam momentos de epifania, singulares, expressivos das vidas de vinte e dois homo sapiens, alguns cujos nomes podem até ser conhecidos de um leitor experiente (o poeta Lucrécio, o escritor Petrônio, o pintor Uccello, a princesa indígena Pocahontas, o capitão pirata Kid), mas isso não é realmente importante. Acontece que, assim como para estes cinco que citei (e outros leitores citariam outros tantos), todo o conjunto de vidas imaginadas por Schwob, num vai e vem entre ficção e realidade é escrito com a mesma exuberância, seja a de uns santos mártires ou hereges, de prostitutas e matronas romanas, de juízes e cartomantes, de indivíduos que se imaginavam possuídos por deuses, de piratas menos conhecidos ou de assassinos seriais ingleses. Todos parecem renascer como personagens inventados, acrescidos em suas biografias, em suas vidas vividas, de uma pátina vistosa e mágica. Haverá mais Schwob por aqui em breve. Vale! 
Registro #1560 (contos #181) 
[início: 20/07/2020 - fim: 25/07/2020]
"Vidas imaginarias", Marcel Schwob, tradução de Jorge González Batlle, ilustrações de Elena Ferrándiz, Barcelona: Thule Ediciones, 1a. edição (2018), brochura 14,5x22 cm, 159 págs. ISBN: 978-84-16817-33-7

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