Se há uma coisa que impressiona um sujeito é descobrir um autor feito à sua medida. Descobri Cees Nooteboom há pouco e por acaso, mas já me sinto um afotrtunado amigo dele, de suas criações, de seus personagens. Quando vi uma entrevista de Edney Silvestre com Nooteboom impressionei-me com um comentário onde ele dizia que um país como a Espanha era curioso principalmente por ter Nossa Senhora, mãe de Jesus, como "comandante em chefe" honorária dos exércitos de Espanha (e isto até hoje, neste bizarro século XXI) e também por ter uma cerimônia anual, onde o Rei, o Príncipe de Austúrias ou ainda um preposto nomeado, entregam o país simbolicamente à são Santiago, o apóstolo que é cultuado na cidade Galega de Compostela e é o padroeiro da Espanha. Em função deste comentário resolvi ler algo sobre o tal caminho de Santiago (daí o "Ultreia", garimpado nos guardados, que já resenhei aqui) e encomendei este "Caminhos para Santiago", que resenho agora. Bom, lê-se este livro com enorme prazer. Não se trata de um guia para peregrinos, mas antes, como o próprio subtítulo do livro nos ensina, uma digressão inspirada por "desvios pelas terras e pela história da Espanha". São vinte e cinco capítulos, escritos entre 1979 e 1986. No último texto, escrito em 1992, ele analisa estas viagens (anuais quase todas) e seu envolvimento com o país. Nooteboom, que tem setenta e cinco anos agora, foi a Espanha pela primeira vez quando tinha vinte. A idéia era experimentar o calor do sul, esteve primeiro na Itália, mas logo quis conhecer aquele país que em sua Holanda natal era odiado desde os bancos escolares (por conta da guerra de secesão do final do século XVI.) Daí para um encantamento foi um passo. Seu texto aqui lembra Robert Hughes contando as coisas da Catalunha. Temos a mesma mistura de erudiçao e cultura refinada, envolvimento pessoal e emoções, tudo na medida certa. Já disse que não se trata de um guia para explicar como funciona a caminhada. Em suas viagens ele segue caminhos distintos a cada ano. Alguns de fato associados a história da peregrinação (Saragoça, Jaca, Sória, Pamplona, Burgos, León, Atorga), a maioria entretanto por destinos rotas mais distantes (Segóvia, Extremadura, Córdoba, Cádiz, Múrcia, Valência, Teruel.) Os espaços amplos e o tempo que flui lentamente na meseta espanhola parece saltar do livro, emulado pelo autor. Assim como no Hughes há uma enfase na descrição da arquitetura de castelos, mosteiros, claustros, mas há também muito sobre pintura (Zurbarán principalmente, mas também Velázquez e claro, Goya), sociologia, história, literatura e religião (sempre presente em seus livros.) O livro inclui um mapa simples e índices de nomes próprios e lugares, além de algumas fotos em preto e branco. Todo aquele que já esteve na Espanha e já se apaixonou por aquele país há de apreciar este livro e talvez concordar com ele quando diz: "Um ano sem o vazio desse país, sem as cores da terra e dos rochedos, é um ano perdido." Vale.
"Caminhos para Santiago", Cees Nooteboom, tradução de Irène Cubric, editora Nova Fronteira, 1a. edição (2000) brochura 14x21cm, 451 pág. ISBN: 978-85-209-1117-X
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