sábado, 15 de novembro de 2008

eldorado: a rádio cidadã

Quando eu ainda morava em São Bernardo do Campo ouvia muito rádio. Uma das minhas favoritas era a rádio Eldorado AM e foi meu pai quem me fez tornar-me um admirador da sua programação. Aos domingos tinha “Ópera completa”, narrada por um locutor que fazia os resumos de cada um dos atos de um jeito muito especial, citando trechos dos libretos. Quase tudo que sei sobre ópera aprendi naqueles domingos, ouvindo a música e procurando detalhes na infinita “Enciclopédia Trópico”. Ula-lá.. Gostava também de “Um piano ao cair da tarde”, “Concerto noturno”, “Jornal de 30 minutos”, “Noite de jazz” e claro, das vinhetas, que ainda martelam minha memória. Naquela época a programação terminava exatamente a uma hora da manhã, tocando um trecho de uma das Bachianas do Villa-Lobos (seria a terceira?). Aquilo embalou meu sono por anos (sempre que podia eu esperava a hora do encerramento da programação, pouco me importando se tivesse de acordar cedo.) As seis da manhã a programação voltava com uma marcha que havia sido composta durante a revolução constitucionalista de 1932, aquela em que meu avô mineiro dizia “ter matado muitos paulistas”, mas esta é mesmo outra história. Anos depois, quando já havia me mudado para São Paulo, passei a ouvir os programas da Rita Lee (que me apresentou a Lou Reed) e de Jô Soares e Ruy Castro (que me apresentaram o Jazz). Tenho vários destes programas ainda gravados em fitas K7. Pois foi em função destas lembranças que ao ver o livro “Eldorado: a rádio cidadã”, comprei e li de pronto, parando os outros textos que estava lendo. É um livro pequeno, editado pela Terceiro Nome. O autor é o João Lara Mesquita, membro da poderosa família Mesquita, o clã quatrocentão paulista. João Lara conta como foram seus vinte anos de administração na rádio. Descreve sua luta por inovação, gerenciamento moderno, programação sofisticada e como tentava, ainda por cima, dar lucro para a empresa da família. A rádio Eldorado administrada por ele grangeou muito respeito, principalmente por ser pioneira em oferecer serviços diferenciados à população paulista. Ele criou a cobertura por helicópteros do trânsito de São Paulo, iniciou a campanha de despoluição do rio Tietê, posteriormente encampada pelo estado; teve a idéia do prêmio Eldorado de Música e do prêmio Visa de MPB. Cobriu ainda eventos esportivos como o rali Paris-Dacar e competições de vela oceânica. Além disto sua programação musical e jornalística sempre foi excelente e diferenciada (seu pessoal sempre trabalhou duro pela originalidade e em prol da informação segura.) Seu feito mais notável (a meu juízo) foi ter lutado em todas as instâncias jurídicas para acabar com a obrigatoriedade da transmissão da “Voz do Brasil”, aquele serviço fascista de propaganda política, inventado ainda no primeiro governo Getúlio Vargas, ointenta anos atrás, e que ainda hoje algumas rádios toleram transmitir (aquelas que o fazem têm interesse político e financeiro nisto, pois já existe jurisprudência garantindo o direito de não se transmitir aquela tolice toda produzida pelos paspalhos de Brasília. Aliás o atual governo de plantão inclusive inventou uma expansão desta bobagem, ao criar a televisão estatal pró-governo, uma máquina estupenda de gastar dinheiro público, repleta de jornalistas incompetentes. Terrível como poucos aprendem alguma coisa neste Brasil.) O livro é bem escrito e objetivo. Em cada capítulo descreve uma aventura, campanha, ou evento importante que a rádio encampou e divulgou. Tive um assombro ao ler o que escreve sobre os anos 1980, pois parece que ele está falando de uma época remota, onde as facilidades de informática não existiam e tudo era feito na base do amadorismo e da improvisação. O tempo passa mesmo muito rapidamente. O livro termina com seu afastamento da rádio após o grupo Estado passar a ser administrado por um grupo de executivos profissionais (processo no qual toda a família Mesquita é demitida dos cargos). Foi mesmo o fim de um ciclo no jornalismo brasileiro, mas a rádio continua ali, com sua cativante programação.
Eldorado: a rádio cidadã, João Lara Mesquita, editora Terceiro Nome, 1a. edição (2008), brochura 14x21cm, 224 págs. ISBN: 978-85-781-6027-2

10 comentários:

Anônimo disse...

Caro Aguinaldo, você tem gravações da Eldorado? Tem interesse em trocá-las por gravações de vinhetas, aberturas e trechos de programas da mesma Eldorado? Sou colecionador e, como você, tenho muita saudade daqueles tempos.

Por favor, entre em contato: fabio@clubedojingle.com

Abraços.

Um correspondente disse...

Caro Aguinaldo,

“Um piano ao cair da tarde”, “Concerto noturno”, “Jornal de 30 minutos”, “Noite de jazz” foram feitas pelo locutor José de Ávila Barroso que norteou a voz padrão da Eldorado de 58 até quase os anos 90. No endereço eletrônico http://www.vozesbrasileiras.com.br/html/pagina-vinhetas_radio.htm
os internautas poderão ouvir as vinhetas citadas por você.

Aguinaldo Medici Severino disse...

Caro Marcelo
Grato pelos links.
Guardei as vinhetas no HD. É mesmo uma surpresa voltar a ouvi-las.
ABraços
Aguinaldo

Ademildo disse...

Eldorado Am,era o filé mignon das emissoras de rádio.Impecável,musica de excelente qualidade,nacional ou intenacional,classicos como Concerto do meio dia,Audição de musica lirica,Um piano ao cair da tarde,O autor de hoje,tarde e noite de turfe,tarde musical,Discoteca Eldorado apreentação de Sérgio Rodrigues nas noites de sábado,musica italiana,jornal de 30 minutos. Nossa que saudade,no inicio dos anos 80 fui contratado para trabalhar como discotecário programador da radio A Tribuna Am de Santos e tinhamos na emissora a mesma filosofia musical da Eldorado,era o paraiso de Chico,Elis,Cartola,Milton e tanta gente.Nossa que viagem

Anônimo disse...

Caro Aguinaldo,

Compartilho totalmente dos seus comentários sobre Radio Eldorado. Tinha 9 anos quando meu pai e eu, ao sairmos para pescar, ouvimos as primeiras transmissões em 1958. Realmente uma referência em termos qualitativos para a época. Gostaria de saber se você tem o nome da marcha (ou dobrado)e banda que a executava quando da abertura do Jornal de Trinta minutos.

Abraços!!!

Aguinaldo Medici Severino disse...

olá meu caro,
tente este site (que tem várias das vinhetas)
tudo de bom.
http://www.vozesbrasileiras.com.br/html/mp3/g2/eldoradoamsp/abertura_jornal_30_min.mp3

Unknown disse...

Olá Mister.
O encerramento da programação era com essa musica (a partir do 1:45)

http://www.youtube.com/watch?v=G6GgBCPDb8M

Villa Lobos - Saudade das Selvas Brasileiras

E grande locutor e diretor da Eldorado, Jose de Avila Barros faleceu este fim de semana aos 82.


Aguinaldo C J

Valdir disse...

Minhas sinceras e gratas homenagens, ao inesquecível e inigualável locutor José de Ávila Barroso, que nos deixou recentemente, sua voz haverá de ecoar para sempre nos corações de todos os ouvintes da lendária Rádio Eldorado. Lamentávelmente já não se faz rádio como antigamente.
obrigado
Valdir

JROCK disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
JROCK disse...

aimore.org/radio/Radio_AM_FM_Gravacoes.html - Este endereço agrega inúmeras vinhetas e gravações de emissoras de rádio, tanto nacionais como internacionais, um prato cheio para quem coleciona.
Quanto a Rádio Eldorado; tive o privilegio de ouvi-la. Esta rádio tinha estilo e transbordava cultura tão diferente da maioria das emissoras atuais que se renderam ao superficialismo e se padronizaram. Relembre o fechamento da Eldorado Am no endereço acima.