Em "A estrada" Cormac McCarthy nos conta uma história terrível, mas não inverossímel. Em um mundo pós-apocalíptico, um mundo totalmente transformado, um sujeito e seu filho vagam pelos destroços tentando sobreviver. O céu e o sol estão permanentemente escondidos por nuvens de poeira. Os dias são vagamente cinzas, uma penumbra permite que se enxergue o que vem de longe. As noites são negras como eram antes da presença dos homens e da invenção do fogo. Das cidades, das florestas e dos campos cultivados, das rodovias e dos portos pouco resta, destruídos que foram por explosões, incêndios e saques. Não há mais eletricidade, sinais de telecomunicação, organização social, regras de conduta. Em sua jornada, pai e filho, tentam evitar outros sobreviventes, alguns deles organizados em milícias barbarizadas, que matam quem encontram para canibalizá-los. McCarthy não explica a origem deste caos, nem explica a origem do mal nos sobreviventes. Ele foca na relação pai e filho, no papel do primeiro em instigar no filho alguma ética, algum juízo de valor, que se contraponha ao que ambos têm, o absoluto instinto de sobrevivência de que fazem uso para continuarem juntos e ilesos. A construção do romance é por si só sufocante, as situações que os personagens experimentam repetitivas. McCarthy oprime sem dó o leitor, apresentando a ele uma situação que pode acontecer conosco se explosões nucleares destruíssem o planeta. Ele não faz concessões baratas nem usa truques para contentar o leitor. Preciso ler mais coisas deste sujeito. Em tempo: soube deste livro por indicação do Marcos Barreto (as dicas insuspeitas e francas são mesmo sempre as melhores). [início 12/03/2010 - fim 15/03/2010]
"A estrada", Cormac McCarthy, tradução de Adriana Lisboa, editora Alfaguara, 1a. edição (2007), brochura 15x23,5 cm, 240 págs. ISBN: 978-85-60281-26-8
Um comentário:
Fiquei muito contente com tua resenha e com essa coincidência, pois li esse livro na quinzena passada e fiquei várias horas matutando sobre o cujo. Que bom conhecer tuas impressões sobre o livro. Eu fiquei muito desconcertado no início da leitura, até compreender que o estilo e as escolhas de feitura das frases visavam esse efeito opressivo que vai envolvendo a gente. O que mais me tocou foi a dificuldade de ambos, pai e filho, em fazer uso de imaginação projetiva, de tecer narrativas naquele ambiente. Eles vão perdendo a capacidade de contar histórias, e os dramas da vida vão se concentrando ferozmente em torno de umas poucas possibilidades, a pouca humanidade pendendo por um fino fio.
Grande abraço!
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