Neste pequeno livro Ian McEwan conta uma história curiosa. Há algo nela que lembra "O senhor das moscas", de Willian Golding, mas de uma forma mais doce, mais sexualizada, não tão brutal. Talvez o mundo inglês de ambos (McEwan e Golding) tenha passado por uma transformação deste tipo entre os anos 1950 e 1980, mas isto é apenas uma idéia. Publicado originalmente em 1978 "O jardim de cimento" conta como crianças reagem à experiências limite, experiência de sexo, doença e morte. A história começa com uma família típica: pai, mãe e quatro filhos com idades entre 6 e 18 anos. O pai morre repentinamente, mas os filhos estão mais preocupados com o destino de todo o material de construção que ele havia comprado para fazer reparos na casa do que propriamente entender o porque de sua morte anunciada (ele já era aposentado por conta de seus problemas no coração). A mãe esconde dos filhos mais novos que está também ela à morte (de um câncer não tratado) e definha lentamente enquanto os filhos tentam continuar a rotina de suas vidas. Com a morte da mãe os filhos decidem não comunicar às autoridades sua morte e decidem escondê-la em um grande baú de viagem, que cimentam (algo porcamente) usando o material de construção deixado pelo pai. Curioso como McEwan descreve a recepção da morte pelos filhos, como se ela apenas fosse dormir para sempre e não exatamente morrer. Trata-se de uma decisão tácita, não exatamente discutida entre eles, sem que as implicações e riscos fossem avaliados. Eles apenas entendem que o mais acertado é continuar suas vidas como se a mãe permanecesse apenas doente na cama e não morta e cimentada em um baú no porão. O luto é algo que se deve construir individualmente e a partir deste ponto McEwan descreve sem julgamentos ou moral como os filhos se auto governam. Tudo é muito alegórico e inverossímel, mas é interessante como as crianças acreditam estar certos à cada situação que se apresenta. As implicações da experiência de vida sem pais ou sem controle social se fazem sentir rapidamente. A escola é abandonada por todos. A divisão do dinheiro, deixado pela mãe aos cuidados da filha mais velha, se revela falha e parcial. O caos e a sujeira rapidamente se instalam na casa. As diferenças entre eles se aprofundam e se radicalizam. Para o narrador (o maior dos meninos da casa) tudo se dá em tom de farsa: entender a sexualidade do irmão mais novo; aceitar o envolvimento da irmã mais velha com um rapaz; absorver o lirismo dos diários mantidos pela outra irmã; participar de ocasionais encontros com terceiros, ainda ignorantes da morte da mulher. Ao mesmo tempo como vemos como a infância é algo frágil que se perde irremediavelmente, acompanhamos também como é cruel e perverso qualquer mundo novo construído pelos homens. A metáfora da vida em sociedade como um jardim organizado é antiga e muito utilizada literariamente. De qualquer forma McEwan parece nos ensinar, de forma poderosa e rica, que não há fronteiras estanques entre o que é viver e o que é aprender a viver. Um tanto mórbido e que lembra o clima lúgubre daqueles velhos livros de mistério ingleses que eu lia quando era garoto, mas mesmo assim é um livro bom de se ler. [início 21/03/2010 - fim 29/03/2010]
"O jardim de cimento", Ian McEwan, tradução de Luiza Lobo, editora Rocco, 1a. edição (1996), brochura 14x21 cm, 132 págs. ISBN: 85-325-0652-6
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