"A travessia" é o segundo volume de uma trilogia de Cormac McCarthy, publicada ao longo dos anos 1990. O cenário é o sul dos Estados Unidos (lugares entre o Novo México e o Texas) e o norte do México (lugares escarpados e vazios, onde a natureza se apresenta como um personagem importante). Há algo nestes livros de McCarthy que chamar de épico não explica exatamente. Lembra os textos de Faulkner, o mundo inventado de Faulkner, com citações e metáforas bíblicas, com a presença do mundo grego pairando sobre os personagens. Billy Parham, um rapaz de seus dezesseis, dezessete anos, vive com seus pais e seu irmão mais novo, Boyd, em uma fazenda no sul dos Estados Unidos. Uma loba começa a vagar por ali e pai e filho preparam armadilhas para prendê-la. Um dia ele consegue prendê-la, usando conselhos de um velho índio. Ao invés de matá-la ele decide levá-la as montanhas do México e ruma para lá (para assombro de todos que cruzam com ele), sem ao menos se despedir dos pais e do irmão. Esta é a primeira de uma série de travessias da fronteira que Parham fará até o final do livro. Nesta primeira parte do livro se descreve como ele e a loba adentram no território mexicano e confrontam tradições e regras de conduta diferentes daquelas que ele conhecia. Após estes sucessos (que não vou detalhar aqui pois me parecem a parte realmente seminal do livro) ele volta a sua casa. Descobre que seus pais foram mortos por índios, que seu irmão sobreviveu e que vários cavalos da família foram roubados. Ele e seu irmão não precisam mais do que uma conversa para resolverem atravessar a fronteira em busca dos cavalos roubados. Se envolvem em toda sorte de aventuras nesta busca: encontros com fazendeiros, pistoleiros, policiais, atores de circo, vaqueiros, padres, índios. Um dia salvam uma garota índia de ser estuprada por uns sujeitos. Logo depois recuperam a maioria dos cavalos, trocam tiros com um estafeta perigoso e são perseguidos pelos homens do grande senhor daquelas terras. Boyd é ferido com gravidade. Billy consegue a ajuda de um médico e o garoto se salva. Recuperado ele e a garota índia fogem juntos, deixando o irmão mais velho com os cavalos recuperados. Billy volta então aos Estados Unidos. O país está em guerra e ele tenta se alistar. Os militares descobrem que ele tem um problema congênito no coração e não o aceitam. Apesar disto ele tenta ser alistado outras vezes em lugares diferentes, mas sempre é rejeitado. Começa a trabalhar em fazendas de gado. Diligente e capaz ganha um bom dinheiro, recuperando um tanto de confiança. Decide uma vez mais atravessar a fronteira rumo ao México. Fica sabendo que seu irmão foi morto já há anos e que sua memória é cultivada como lenda, seus feitos como um garoto americano (el güerito) que lutava contra os poderosos da região cantada pelo povo. Verdade e lenda se confundem. Decide levar os ossos do irmão de volta aos Estados Unidos. No caminho é emboscado por um grupo de assaltantes. Seu cavalo é ferido gravemente. Um grupo de ciganos consegue salvar seu cavalo e ele finalmente termina sua saga ao conseguir enterrar os ossos do irmão nas terras da família. Por fim, após esta última travessia, ele se vê realmente só e chora as lágrimas repesadas em toda uma vida. O texto de McCarthy é sempre poderoso, os diálogos riquíssimos. Há longas digressões de personagens secundários que ajudam o personagem principal a entender o que se sucede em sua vida. Estes personagens, que lembram os aedos da Ilíada e da Odisséia, são realmente bons. Que belo livro. Daqui a pouco vou começar o último volume da trilogia. O cruzamento do sofrido rapaz do primeiro volume, John Cole, com este industrioso Billy Parham promete ser realmente bom. [início 27/03/2010 - fim 03/04/2010]
"A travessia", Cormac McCarthy, tradução de José Antonio Arantes, editora Companhia das Letras, 1a. edição (1999), brochura 14x21 cm, 413 págs. ISBN: 85-7164-859-X
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