Descobri noutro dia que don Ronái e eu lemos quase simulteneamente "A estrada", de Cormac McCarthy, que já resenhei aqui. Os livros sabem sim proporcionar bons encontros e conversas. Dividimos um café animados e discutimos sobre o quão opressivo e verossímel é o livro. Depois falei com entusiasmo do outro único livro que havia lido de McCarthy, ainda em meados dos anos 1990. Como "Todos os belos cavalos" é o primeiro volume de uma trilogia (da qual não li os dois volumes restantes) resolvi relê-lo agora. Difícil não se apaixonar pelo estilo de McCarthy. Ele usa uma pontuação muito particular para construir os diálogos e isto dá uma vivacidade especial ao texto. O tom é contido, seco, mas com isto acompanhamos a história como se ouvíssemos mesmo os personagens. O enredo da história se concentra no nordeste mexicano, perto da fronteira com o Texas, uma região muito dura, onde os elementos e os animais selvagens apenas toleram a presença do homem. Achei um mapa e acompanhei a história com ele. Isto foi muito útil. Descobri também que esta região tem um passado geológico muito rico e uma diversidade de espécies, em lagos e rios, particularmente distinta. Bom, vamos a história. John Cole, um rapaz de seus dezessete anos vive o que acredita ser uma idílica vida no campo. Mas trata-se de um mundo condenado à transformação (o texto se passa em 1950, a vida de vaqueiro já é um anacronismo). Com a morte do avô (último membro de uma família com várias gerações de criadores de cavalos) e a separação dos pais a grande fazenda é vendida, impedindo que ele continue fazendo a única coisa que ama: domar e criar cavalos. Cole e um amigo/primo, Rawlins, decidem fugir juntos. Assim, dois garotos montados em seus cavalos entram no México, encontram um terceiro jovem, Blevins, sem dinheiro ou comida que se junta a eles. Este novo garoto é provavelmente um ladrão de cavalos, mas os dois amigos decidem acolhê-lo mesmo assim. Ao passarem por uma cidade este terceiro garoto se mete em uma confusão dos diabos e perde seu cavalo, separando-se dos dois amigos, que continuam sua jornada. Em função de suas habilidades em domar cavalos são admitidos em uma grande fazenda mexicana, por um "hacendado". Este tem uma jovem filha, Alejandra, que vez por outra vem da cidade do México visitá-lo e o romance entre o jovem rapaz e esta menina é inevitável. Como em toda narrativa que tenha a pretensão de épica após a ascenção segue-se a queda. O pai da garota os denuncia à polícia mexicana, que os prende, sem perspectiva de julgamento ou denúncia formal. No meio do caminho eles reencontram Blevins, o garoto que os acompanhou, igualmente preso, mas com o agravante que ele matou duas pessoas para recuperar seu cavalo perdido. O capitão mata Blevins e abandona os dois amigos, Cole e Rawlins, em uma prisão. Lá eles têm de brigar muito para sobreviver e eventualmente Cole mata um homem, ficando bastante ferido. Como em um passe de mágica após se recuperar ele é solto da cadeia, junto com Rawlins. Ficamos sabendo que a avó da garota, matriarca sofisticada da família do hacendado, pagou por sua liberdade. Cole tem uma longa conversa com esta avó, e aí ficamos sabendo um tanto da desgraçada história do México, sua sucessão particular de déspotas e sanguinários governantes. Rawlins volta aos Estados Unidos e Cole decide reencontrar Alejandra. Ela prometera a avó jamais revê-lo e após um final de semana juntos ela volta à cidade do México, abandonando-o definitivamente. Cole decide recuperar seus cavalos (roubados dele e de Rawlins quando foram presos). Para isto primeiro ataca o capitão que o prendeu e através dele localiza os sujeitos que estão com seus cavalos. Após um embate realmente vibrante, mesmo bastante ferido, consegue recuperar seus cavalos. Um grupo de mexicanos o ajuda e leva o capitão preso, como um prêmio, para um destino incerto. Cole volta para os Estados Unidos. É preso como ladrão de cavalos, mas em juízo convence um velho juíz da veracidade de sua mirabolante história, mostrando todos seus ferimentos e cicatrizes. Libertado, mesmo procurando muito não consegue descobrir de quem é o cavalo roubado pelo garoto Blevins. Volta com os cavalos para sua cidade natal e descobre que seu pai já é morto. Sua avó de criação, uma mexicana de origem indígena, também morre. Devolve o cavalo de Rawlins. A história termina com as intensas reflexões sobre o destino, o deserto, a força dos cavalos e a vida. Este é mesmo um livro poderoso, um romance de formação típico, onde um sujeito aprende algo de si mesmo, amadurece, que se transforma duramente em um curto mas intenso período de tempo. O mundo encantador dos filmes de Hollywood não existe neste belo livro. A geografia, os hábitos das pessoas e dos animais, a natureza, tudo é descrito de uma forma incrível neste livro. É mesmo tempo de continuar por esta curiosa triologia. [início 23/03/2010 - fim 28/03/2010]
"Todos os belos cavalos", Cormac McCarthy, tradução de Marcos Santarrita, editora Companhia das Letras, 1a. edição (1993), brochura 14x21 cm, 272 págs. ISBN: 85-7164-341-5
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