No Bloomsday de 2008 seis escritores espanhóis se reuniram em um pub dublinense, visitaram a "Martello Tower de Sandycove", participaram de parte dos festejos do dia e por fim fundaram uma ordem literária dedicada a cultuar o "Ulysses" de James Joyce. É o tipo de coisa que parece óbvia quando se lê, mas é necessário que alguém a faça antes de você para que sua necessidade se torne patente. Bueno, eles decidiram produzir um livro coletivo que marcasse a fundação, um livro que incluisse alguma invenção, crítica literária e relatos breves. Acredito que a idéia original deva ter sido de Enrique Vila-Matas, o mais velho e escritor mais reconhecido dos seis, muito embora Eduardo Lago pareça ser o sujeito familiarizado com o Bloomsday e o Ulysses há mais tempo. Cabe lembrar que Enrique Vila-Matas publicou "Dublinesca" no ano passado, um romance onde a gênese desta curiosa ordem literária também é contada, mas ali estamos falando de ficção e não de crônicas (já resenhei "Dublinesca" neste blog). Já neste pequeno livro cada um dos seis contribuiu com um texto curto, como forma de registrar os sucessos de suas experiências na fundação da tal "Ordem de Finnegans" (cujo lema é um "Qué grandes estamos esta mañana!", delicioso). Vila-Matas apresenta um ensaio de bom tamanho onde contrasta duas formas de narrativas literárias: as mais experimentais, como o Finnegans Wake de Joyce, para ele arte limite, em estado puro, e as mais sintéticas, no sentido em que alcançam uma excelência discursiva, tornando-se fáceis de serem lidas, apesar de serem difíceis de serem escritas, forma exemplificada por um livro de Simenon (Monsieur Hire). Lago apresenta o texto mais radical, um sketch dramático, uma farsa bastante movimentada, onde vários personagens discutem o Finnegans Wake em um legítimo pub irlandês, repleto de citações eruditas bastante divertidas. Jordi Soler brinca com um personagem mitológico irlandês, em uma narrativa bastante pessoal. Antonio Soler, Malcolm Otero e José Vela também escolheram esta via: fazem curtos relatos de suas experiências prévias com o Bloomsday. No conjunto os textos fazem do livro uma obra irregular, pois há muita trucagem, passagens que são cifradas em excesso, que marcam o processo pelo qual a obra de Joyce foi recebida por cada um deles, sem que de fato o leitor possa acompanhar esta trajetória. No texto de Lago há uma passagem que fala de Joseph Campbell que está obviamente errada (as datas não fecham, um problema quando se repete uma piada literária sem checar as fontes). Em ao menos três oportunidades eles citam as traduções espanholas do Ulysses confundindo o primeiro tradutor para o espanhol (o argentino Salas Subirat) com o primeiro editor (o também argentino Santiago Rueda). O programa e o compromisso da ordem de Finnegans me parece irrealizável, pois cada um deles se compromete em participar de todos os Bloomsday futuros em Dublin, mas é de obsessões como esta de que é feita a mítica de Joyce (ele não esperaria compromisso menor). A capa inclui a mesma fotografia que usei neste ano para o cartaz do nosso Bloomsday santa-mariense. Bela coincidência. Talvez nosotros cá de Santa Maria deveríamos ter oficializado algo deste tipo antes, mas agora temos neste "La orden del Finnegans" um bom roteiro, um bom ponto de partida. Ainda é tempo. [início 23/07/2010 - fim 23/09/2010]
"La orden del Finnegans", Antonio Soler, Jordi Soler, Eduardo Lago, Enrique Vila-Matas, José Antonio Garriga Vela, Malcolm Otero, Ediciones Alfabia, 1a. edição (2010), brochura 13x20 cm, 142 págs. ISBN: 978-84-937348-9-3
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