Ler Javier Marías é sempre um deleite. Neste "Los villanos de la nación", uma jornalista e editora amiga, Inés Blanca, selecionou oitenta e quatro artigos de Javier Marías publicados em jornais entre os anos 1985 e 2009. São artigos monotemáticos, que falam do mundo das relações de poder, do mundo da política, do mundo da administração pública, artigos pinçados da vasta produção de Marías. Eu já me considero suspeito, suspeito por falar bem de Marías, suspeito por registrar o quanto me impressiona sua verve, suspeito de louvar em demasia a riqueza de sua argumentação. Paciência. Este é um livro lido e assim vai seguir nesta cota de minhas resenhas. Os tais "vilões da nação" de Marías são os prefeitos, vereadores, deputados, senadores, presidentes e governadores, os empresários do setor imobiliário, os técnicos responsáveis por obras públicas. São aquelas pessoas que de uma forma ou outra decidem o quê deve ser feito nas cidades, decidem como e quando será feita uma obra, decidem como serão administradas e pagas estas tais obras. Claro, os artigos não falam apenas de sua inconformidade com as obras públicas de seu país, mas de tudo o que oferece o mundo da política pública. Nestas crônicas ele descreve principalmente como durante o "boom" econômico espanhol tudo parecia maravilhoso, inevitável; tudo parecia confirmar a vocação espanhola para ser incluída no panteão das nações industriosas e ricas do mundo; tudo parecia fruto e obra do milagreiro de plantão. Mas o mundo real e a história são implacáveis e logo um sujeito é forçado a reconhecer que de ilusão não se pode viver muito tempo (ulalá, vale a pena registrar que aquele que lê ao menos um jornal na vida sabe o tamanho da crise pela qual estão passando os espanhóis ainda hoje). São crônicas que não deixam de soar familiares a um brasileiro, que sabe desde jovem como se dão os negócios entre o poder público e o poder privado. É fácil ler nas crônicas de Marías o mesmo mecanismo que experimentamos hoje no Brasil, onde o atual governo, medíocre e patético, tão solerte na forma de escolher suas prioridades, tão sagaz ao apresentar suas conquistas, tão astucioso na operação de conquistar corações e mentes, não pratica nada além da mesma atávica e secular enganação já apresentada por legiões de governantes antes dele, com o acréscimo nefasto de não medir esforços em sufocar seus antogonistas. Toscos, acima de tudo! Bueno. Há coisas muito boas neste livro, mas cada um dos leitores deve garimpá-lo e encontrar o que mais lhe agrade. Gostei particularmente de uma em que ele diz "Hubo un tiempo, lo recuerdo vagamente, en el que las argumentaciones servían de algo." De fato, hoje em dia quase ninguém é permeável a uma argumentação lógica (a maioria das pessoas prefere um prato de comida ou uma benesse qualquer - custa menos esforço). Em uma outra ele compara adultos estúpidos as crianças e ançiãos quando diz: "Para los políticos no existe nada mejor ni más cómodo que esto: un electorado infantilizado o ancianizado, que pide a gritos que se le mienta y anuncia que se creerá las mentiras." Pois disto nenhum político brasileiro pode reclamar, de não ter este rebanho a mão, deste tipo de cidadãos votantes estamos bem fartos, bem abastecidos. Que pena não contar com um sujeito como Marías dentre os cronistas brasileiros nestes tempos bicudos.
[início 24/09/2010 - fim 05/10/2010]"Los villanos de la nación: Letras de política y sociedad", Javier Marías, editora Los libros del lince, 1a. edição (2010), brochura 15,5x23 cm, 318 págs. ISBN: 978-84-937038-9-9
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