sábado, 30 de outubro de 2010

amor a porto alegre

Um grupo de amigos se reune e inventam de fazer uma oficina literária. Eles são "um povo dos números", sujeitos que trabalham em atividades ligadas ao Sindicato de Auditores de Finanças Públicas deste Rio Grande do Sul. Todos gostam de livros e têm o desejo de se tornarem "um povo das palavras". Com Hilda Simões Lopes, senhora de muita habilidade no ensinar e muita experiência no escrever, eles aprendem algo deste outro ofício, que as vezes parece fácil para um não iniciado: o de escrever ficção, o de contar e cantar histórias, o de inventar, relembrar e garimpar algo da memória que seja seminal, que toque alguem. Hilda coordena a oficina, eles escolhem um tema caro a todos eles: o amor a cidade em que vivem, que os acolheu, que os desafia: Porto Alegre. Passados alguns meses o resultado é o livro que temos nas mãos. A edição é caprichada, capa-dura, belas ilustrações, um tratamento gráfico realmente especial. José Antonio Pinheiro Machado é uma espécie de padrinho do grupo, assina um prefácio lembrando os bares e restaurantes da cidade, também ele saudoso de um tempo que sempre passa. São 27 contos de 9 sujeitos/alunos entusiasmados. Talvez não sejam exatamente contos, já que o tom é no mais das vezes confessional, um resgate da memória de cousas experimentadas. Mas também não são exatamente crônicas, relatos do cotidiano. Bueno. Cada autor também contribui com um mini-conto (talvez um outro exercício de suas aulas). O resultado é algo irregular, talvez eles mais do que eu saibam exatamente o porquê. Alguns contos são muito bons, gostei de navegar com eles pelas ruas de uma cidade que não me encanta, de cujo passado e história pouco sei. Reli estes com prazer, ora melancolico, como o texto quis, ora com um sorriso nos lábios, contendo um riso mais franco. Mas há textos que mereceriam mais tempo e mais esmero. Mas as oficinas têm prazo para terminar, assim como os diagramadores e as gráficas prazos para transformar palavras em livros. Nenhum texto vai esperar eternamente que seu autor lhe dê vida, lhe liberte do arquivo do computador e lhe exponha aos olhos, por vezes cruéis e desdenhosos, mas também calorosos e vibrantes, de cada um dos leitores. A partir de agora os textos vão se defender sozinhos. Boa sorte a eles e a seus autores. Que eles viagem bem por este mundo das letras. Já é tempo! Os autores são: Berenice Longo, Cecília Quaresma, Celina Barcelos, JDFigueiredo, Jussara Schivitz (que assina também o projeto gráfico e as imagens), Orlandi Teixeira, Raquel Braga, Valmor Braga Simonetti e Virgínia Rocha. [início 17/10/2010 - fim 28/10/2010]
"Amor a Porto Alegre", Hilda Simões Lopes (org.), editora Manuzio, 1a. edição (2010), capa-dura 21,5x21,5 cm, 103 págs., sem ISBN

domingo, 24 de outubro de 2010

como se não houvesse amanhã

Este livro foi-me sugerido pela Daniela Santi, futura mãe da Sofia. Foi quando nos encontramos (Maurício, Daniela, Helga e eu) na Carrer de la Princesa, lá na grande feiticeira do Mediterrâneo, meses atrás. Em "Como se não houvesse amanhã" encontramos 20 contos inspirados livremente em canções da banda Legião Urbana, banda que fez muito sucesso nos anos 1980 e 1990 (e que ainda vende muito ainda hoje e certamente tem fãs Brasil afora, bem se ouve e se vê). A idéia original é de Henrique Rodrigues. Ele convidou um grupo variado de pessoas para escrever algo que tivesse como matriz uma das músicas dos álbuns do Legião Urbana. Como eu não conheço a maioria das músicas (será mesmo que eu ouvia naquela época algo além de Frank Zappa e Miles Davis?) não saberia dizer até que ponto há simetrias entre as canções e os contos, mas se é que eu entendi bem a idéia do livro os autores não tinham que "resumir" as canções, mas sim emulá-las através deste outro registro, que é o registro literário, mas também o registro da paixão. Há contos onde há alguma experimentação, noutros o tratamento é mais quadrado, esquemático ou formal, o que para meu gosto torna o livro algo irregular. Talvez o livro funcione melhor para quem é mesmo fã da banda, mas o livro se sustenta afinal de contas, como uma boa seleção de contos de uma geração de escritores contemporâneos, quase todos bem jovens. Encontramos nos contos separações, perdas, lamentos e dúvidas. Alguns são confessionais, registros de algum encantamento. Noutro dia vi uma boa entrevista com o organizador do livro (entrevista feita pelo jornalista Maurício Melo Júnior) onde este último dizia que no livro encontrou mais o lirismo da banda que a contestação e as mensagens de fundo político, que sempre gravitaram pelas letras de suas músicas. Boa observação a dele. Talvez seja assim que a memória filtra nosso passado, amenizando com lirismo (que pode chegar a ser edulcorado, artificial e falso, não podemos nos esquecer disto) o que se imaginava alguma vez ser revolucionário, bruto e/ou transgressor. O esquecimento é mesmo um remédio que devemos tomar, cedo ou tarde, mas como todo remédio preferencialmente cedo. Bueno. "Como se não houvesse amanhã" é um bom livro, certamente para se ler ouvindo as músicas, quando for o caso de um leitor que as conheça e as ame. Os autores são: Alexandre Plosk – Que país é este; Ana Elisa Ribeiro – Andrea Doria; Carlos Fialho – Faroeste Caboclo; Carlos Henrique Schroeder – Há tempos; Daniela Santi – Será; Henrique Rodrigues – Acrilic on canvas; João Anzanello Carrascoza – Pais e filhos; Manoela Sawitzki – Giz; Marcelo Moutinho – Vento no litoral; Mariel Reis – Música de trabalho; Maurício de Almeida – Sagrado coração; Miguel Sanches Neto – Meninos e meninas; Nereu Afonso da Silva – Ainda é cedo; Ramon Mello – Sereníssima; Renata Belmonte – Por enquanto; Rosana Caiado – Eduardo e Mônica; Sérgio Fantini – Música Urbana 2; Susana Fuentes – Quando o sol bater na janela do seu quarto; Tatiana Salem Levy – Tempo perdido; Wesley Peres – Monte Castelo. [início 17/08/2010 - fim 23/10/2010]
"Como se não houvesse amanhã", Henrique Rodrigues (org.), editora Record, 2a. edição (2010), brochura 13,5x21 cm, 159 págs. ISBN: 978-85-01-08943-4

domingo, 17 de outubro de 2010

os contos de belazarte

Esta bela edição reúne 7 contos de Mário de Andrade, dois textos críticos (assinados por Aline Nogueira Marques e Tatiana Longo Figueiredo) e reproduções fac-similares das edições originais do livro. Tudo muito bem organizado e apresentado, bonito mesmo. As histórias originais são dos anos 1920, 1930, mas a forma final delas foi fixada por Mário em 1944, quando publicou em livro todos eles pela primeira vez. A São Paulo que se urbaniza de forma caótica na primeira metade do século passado emerge das páginas do livro; o falar das gentes, sem norma culta, sem norma alguma, vibra vívido nos contos; o caldeirão de imigrantes, sonhos, ambições, dinheiro (combinação sempre explosiva) fica registrado nas histórias como se estivesse acontecendo hoje (e lá se vão uns 90 anos da publicação original). São contos muito bons, mas pessimistas e terríveis pelos temas que abordam: a solidão e a triteza das gentes, a vida dura nos bairros pobres, os sonhos baldados. Mário de Andrade experimenta a língua, tenta captar o falar de imigrantes nacionais e extrangeiros, cultos e incultos, que se misturam na cidade. O livro é um celeiro de frases, idéias, estruturas narrativas, oralidade. O narrador conta as histórias que um tal Belazarte lhe contou, mas este Belazarte é um alter ego pouco disfarçado do próprio Mário, um personagem que talvez tenha se tornado um fardo para ele. As histórias terminam sempre com um bordão do tipo: "fulano foi muito infeliz" ou "fulano foi infeliz", que aumenta a melancolia no leitor, mas ao terminar o livro podemos sim dizer: "o leitor foi muito feliz." Que livro! [início 20/09/2010 - fim 29/10/2010]
"Os contos de Belazarte", Mário de Andrade, editora Agir, 1a. edição (2008), brochura 13,5x21 cm, 165 págs. ISBN: 978-85-220-0883-4

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

o escravo

Encontrei este livro em um sebo. Fazia tempo que não lia um romance de Isaac Singer, sempre insuperável em seus contos, e este "O escravo", sobre o qual nunca havia ouvido falar, pareceu ter vindo mesmo a calhar. A história é interessante. Singer descreve como Jacob, judeu culto e estudioso, sobrevive a um massacre perpretado por cossacos russos (em meados do século XVII) e se torna escravo de camponeses em uma região remota e montanhosa da Polônia. Ainda assombrado pela morte de sua mulher, seus filhos pequenos e demais conhecidos, ele se esforça por manter suas tradições e ritos. Apesar do isolamento e da falta de meios ele alcança alguma comunhão com sua fé e, ao mesmo tempo, desenvolve alguma sabedoria prática no duro trabalho do campo. Ele acaba se envolvendo com a filha de seu senhor, uma jovem viúva cristã chamada Wanda, mas aquilo que ele acredita ser a conversão dela ao judaísmo é mantido em segredo dos demais. Há um bocado de reviravoltas no livro, Jacob e Wanda passam por muitas vicissitudes, que acompanham as dúvidas dos dois sobre seu amor e suas relações nas comunidades judaicas pelas quais tentam ser aceitos. Este é assim um romance que apresenta a religião judaica, onde um leitor aprende um tanto sobre como funcionam parte dos ritos e dos procedimentos que um sujeito desta fé deve obedecer. O único reparo que faço a este livro é a tradução, sofrível, do começo ao fim. É difìcil acreditar que a prosa sempre rica e elegante de Singer sobreviva ao massacre linguístico que padece nas mãos da tradutora. Há umas coisas que parecem do português arcaico, umas passagens tortas que confundem o leitor. Paciência. Apesar da medonha tradução trata-se de um legítimo Singer, que sempre nos deixa algo de bom. Nota bene: Graças a tradutora Denise Bottmann fiquei sabendo que muito provavelmente esta tradução foi copiada literalmente - e com alguns acréscimos espúrios - de uma tradução portuguesa, feita no início dos anos 1970, por um sujeito chamado João Cabral do Nascimento. Isto explica muita coisa (o útil site da tradutora Denise Bottmann pode ser encontrado em http://naogostodeplagio.blogspot.com/ ). Que cousa! [início 27/09/2010 - fim 13/10/2010]
"O escravo", Isaac Bashevis Singer, tradução de Juliana Borges, editora Germinal, 1a. edição (2001), brochura 14x21 cm, 267 págs. ISBN: 85-86439-12-6

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

los villanos de la nación

Ler Javier Marías é sempre um deleite. Neste "Los villanos de la nación", uma jornalista e editora amiga, Inés Blanca, selecionou oitenta e quatro artigos de Javier Marías publicados em jornais entre os anos 1985 e 2009. São artigos monotemáticos, que falam do mundo das relações de poder, do mundo da política, do mundo da administração pública, artigos pinçados da vasta produção de Marías. Eu já me considero suspeito, suspeito por falar bem de Marías, suspeito por registrar o quanto me impressiona sua verve, suspeito de louvar em demasia a riqueza de sua argumentação. Paciência. Este é um livro lido e assim vai seguir nesta cota de minhas resenhas. Os tais "vilões da nação" de Marías são os prefeitos, vereadores, deputados, senadores, presidentes e governadores, os empresários do setor imobiliário, os técnicos responsáveis por obras públicas. São aquelas pessoas que de uma forma ou outra decidem o quê deve ser feito nas cidades, decidem como e quando será feita uma obra, decidem como serão administradas e pagas estas tais obras. Claro, os artigos não falam apenas de sua inconformidade com as obras públicas de seu país, mas de tudo o que oferece o mundo da política pública. Nestas crônicas ele descreve principalmente como durante o "boom" econômico espanhol tudo parecia maravilhoso, inevitável; tudo parecia confirmar a vocação espanhola para ser incluída no panteão das nações industriosas e ricas do mundo; tudo parecia fruto e obra do milagreiro de plantão. Mas o mundo real e a história são implacáveis e logo um sujeito é forçado a reconhecer que de ilusão não se pode viver muito tempo (ulalá, vale a pena registrar que aquele que lê ao menos um jornal na vida sabe o tamanho da crise pela qual estão passando os espanhóis ainda hoje). São crônicas que não deixam de soar familiares a um brasileiro, que sabe desde jovem como se dão os negócios entre o poder público e o poder privado. É fácil ler nas crônicas de Marías o mesmo mecanismo que experimentamos hoje no Brasil, onde o atual governo, medíocre e patético, tão solerte na forma de escolher suas prioridades, tão sagaz ao apresentar suas conquistas, tão astucioso na operação de conquistar corações e mentes, não pratica nada além da mesma atávica e secular enganação já apresentada por legiões de governantes antes dele, com o acréscimo nefasto de não medir esforços em sufocar seus antogonistas. Toscos, acima de tudo! Bueno. Há coisas muito boas neste livro, mas cada um dos leitores deve garimpá-lo e encontrar o que mais lhe agrade. Gostei particularmente de uma em que ele diz "Hubo un tiempo, lo recuerdo vagamente, en el que las argumentaciones servían de algo." De fato, hoje em dia quase ninguém é permeável a uma argumentação lógica (a maioria das pessoas prefere um prato de comida ou uma benesse qualquer - custa menos esforço). Em uma outra ele compara adultos estúpidos as crianças e ançiãos quando diz: "Para los políticos no existe nada mejor ni más cómodo que esto: un electorado infantilizado o ancianizado, que pide a gritos que se le mienta y anuncia que se creerá las mentiras." Pois disto nenhum político brasileiro pode reclamar, de não ter este rebanho a mão, deste tipo de cidadãos votantes estamos bem fartos, bem abastecidos. Que pena não contar com um sujeito como Marías dentre os cronistas brasileiros nestes tempos bicudos.
[início 24/09/2010 - fim 05/10/2010]
"Los villanos de la nación: Letras de política y sociedad", Javier Marías, editora Los libros del lince, 1a. edição (2010), brochura 15,5x23 cm, 318 págs. ISBN: 978-84-937038-9-9

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

fun home

Este é mais um dos livros que ganhei da Sibele. É uma graphic novel que ganhou o Eisner Award de 2007 e recebeu muitos elogios quando de seu lançamento. Alison Bechdel conta parte da história de sua família, descreve o relacionamento tenso e ambíguo com seu pai. Como em toda história familiar que é narrada por um dos envolvidos há algo de artificial no texto, como se um recorte da vida pudesse ser linearizado, ser compreendido plenamente em suas sutilezas, em seus matizes. Alison parece acreditar que o fato de ter contado aos pais que é lésbica tenha induzido seu pai a cometer suicídio, justo ele que nos é apresentado com um gay enrustido típico dos anos 1950/60. Associando cada uma das fases de seu relacionamento com o pai em textos literários potentes (Camus, Proust, Joyce, Wallace Stevens), Alison consegue alcançar registros muito especiais, que levam o leitor a pensar no delicado dos temas que ela aborda. Claro, o texto é mais cerebral do que usualmente são as análises das turbulencias e embates de qualquer família, em qualquer tempo. A memória não costuma ser boa conselheira quando reviramos os guardados de eventuais tragédias familiares, pois há sempre racionalizações e interpretações superpostas às verdades factuais (se é que mesmo estas sejam reais e não construções mentais). Na narrativa há algo de conto de fadas, algo de propositadamente esquemático, o que de certa forma torna mais tolerável algumas das reflexões e sínteses de uma autora que também é personagem. Talvez a arte seja mesmo uma ferramenta boa para se purgar dos aborrecimentos reais desta vida, mas apenas alguns, um reduzido e feliz pequeno bando (como já disse o bardo), tem a sorte de encontrar em algum texto passagens suficientemente poderosas para mitigar sofrimentos e dramas. Talvez Alison Bechdel tenha tido esta sorte e tenha tido a felicidade de se contentar com esta forma de reflexão sobre a vida. O traço economico e a fixação no preto e branco tornam a leitura agradável, sem sobressaltos. Bom livro afinal de contas. [início 09/09/2010 - fim 06/10/2010]
"Fun Home: uma tragicomédia em famìlia", Alison Bechdel, tradução de André Conti, editora Conrad, 1a. edição (2007), brochura 16x23 cm, 239 págs. ISBN: 978-85-7616-271-1

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

el perro de terracota

"El perro de terracota" é o segundo dos livros de Andrea Camilleri onde aparece o consistente comissário de polícia Montalbano (grande personagem e grande homenagem ao Manolo Vazquez Montalbán). Publicado originalmente em 1996 encontramos neste livro uma trama bastante intrincada que só é deslindada bem perto do final. Camilleri conta uma história terrível que remonta os tempos da segunda grande guerra. Em uma Itália assolada pela destruição um casal é executado ritualmente. Somente quarenta anos depois seus corpos são encontrados e Montalbano tem a chance de solucionar as circunstâncias e as motivações para o crime. Há várias tramas paralelas que justificaram a solução proposta por Camilleri: um roubo aparentemente comum de um supermercado; a prisão de um adoentado mafioso, importante o suficiente na hierarquia da organização para tornar seu captor (Montalbano, claro!) candidato a uma promoção especial do ministério (cousa que ele definitivamente não quer correr o risco de conseguir); a morte acidental de um velho comunista. Camilleri parece estar ainda tateando com os trejeitos e com a obstinação de seu personagem. Boa leitura nestes dias ainda frios de final de inverno. [início 10/09/2010 - fim 27/09/2010]
"El perro de terracota", Andrea Camilleri, tradução de María Antonia Menini Pagés, ediciones Salamandra, 1a. edição (2005), brochura 11,5x18 cm, 285 págs. ISBN: 978-84-95971-69-2

sábado, 2 de outubro de 2010

a primeira investigação de montalbano

Em "A primeira investigação de Montalbano" encontramos três curtas novelas policiais: uma é a que dá nome ao livro e envolve exatamente a primeira investigação de um jovem investigador Montalbano na mítica Vigàta criada por Andrea Camilleri. Ele ainda está envolvido com uma namorada (Mery), que não me lembro ser citada novamente em sua obra (logo veremos). Na história uma garota é estuprada por um sujeito ligado à Máfia. Mesmo agindo no limite da lei Montalbano consegue alcançá-lo e resolver o problema. O braço direito do comissário, o mercurial agente Fazio, aparece pela primeira vez, e descobrimos em primeira mão como Montalbano encontrou sua casa de praia em Montelusa. Na segunda história do livro acompanhamos como um louco mata ritualmente animais progressivamente maiores, gerando tensão e medo na cidade. Montalbano percebe rapidamente que o caso pode ser ainda mais bizarro e perigoso do que parece. Há um tanto de cabala e misticismo na história, que se defende bem, mas no limite da verossimilhança. Por fim, na terceira das novelas, Montalbano mostra toda sua capacidade de organização ao motivar seus confusos comandados na investigação do sequestro de uma menina. Descobrimos um intrincado jogo de extorsão promovido pela Máfia (com a ajuda de parentes veniais e sócios do pai da garota). A forma como Montalbano induz até os mafiosos a lhe auxiliarem é mesmo magistral. São três histórias que envolvem crimes sem sangue, tudo muito complicado e até com soluções mirabolantes demais, mas nada que realmente comprometa a prosa sarcástica de Camilleri. [início 20/09/2010 - fim 23/09/2010]
"A primeira investigação de Montalbano", Andrea Camilleri, tradução de Joana Angélica d´Avila Melo, editora Record, 1a. edição (2008), brochura 14x21 cm, 299 págs. ISBN: 978-85-01-07990-9

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

la orden del finnegans

No Bloomsday de 2008 seis escritores espanhóis se reuniram em um pub dublinense, visitaram a "Martello Tower de Sandycove", participaram de parte dos festejos do dia e por fim fundaram uma ordem literária dedicada a cultuar o "Ulysses" de James Joyce. É o tipo de coisa que parece óbvia quando se lê, mas é necessário que alguém a faça antes de você para que sua necessidade se torne patente. Bueno, eles decidiram produzir um livro coletivo que marcasse a fundação, um livro que incluisse alguma invenção, crítica literária e relatos breves. Acredito que a idéia original deva ter sido de Enrique Vila-Matas, o mais velho e escritor mais reconhecido dos seis, muito embora Eduardo Lago pareça ser o sujeito familiarizado com o Bloomsday e o Ulysses há mais tempo. Cabe lembrar que Enrique Vila-Matas publicou "Dublinesca" no ano passado, um romance onde a gênese desta curiosa ordem literária também é contada, mas ali estamos falando de ficção e não de crônicas (já resenhei "Dublinesca" neste blog). Já neste pequeno livro cada um dos seis contribuiu com um texto curto, como forma de registrar os sucessos de suas experiências na fundação da tal "Ordem de Finnegans" (cujo lema é um "Qué grandes estamos esta mañana!", delicioso). Vila-Matas apresenta um ensaio de bom tamanho onde contrasta duas formas de narrativas literárias: as mais experimentais, como o Finnegans Wake de Joyce, para ele arte limite, em estado puro, e as mais sintéticas, no sentido em que alcançam uma excelência discursiva, tornando-se fáceis de serem lidas, apesar de serem difíceis de serem escritas, forma exemplificada por um livro de Simenon (Monsieur Hire). Lago apresenta o texto mais radical, um sketch dramático, uma farsa bastante movimentada, onde vários personagens discutem o Finnegans Wake em um legítimo pub irlandês, repleto de citações eruditas bastante divertidas. Jordi Soler brinca com um personagem mitológico irlandês, em uma narrativa bastante pessoal. Antonio Soler, Malcolm Otero e José Vela também escolheram esta via: fazem curtos relatos de suas experiências prévias com o Bloomsday. No conjunto os textos fazem do livro uma obra irregular, pois há muita trucagem, passagens que são cifradas em excesso, que marcam o processo pelo qual a obra de Joyce foi recebida por cada um deles, sem que de fato o leitor possa acompanhar esta trajetória. No texto de Lago há uma passagem que fala de Joseph Campbell que está obviamente errada (as datas não fecham, um problema quando se repete uma piada literária sem checar as fontes). Em ao menos três oportunidades eles citam as traduções espanholas do Ulysses confundindo o primeiro tradutor para o espanhol (o argentino Salas Subirat) com o primeiro editor (o também argentino Santiago Rueda). O programa e o compromisso da ordem de Finnegans me parece irrealizável, pois cada um deles se compromete em participar de todos os Bloomsday futuros em Dublin, mas é de obsessões como esta de que é feita a mítica de Joyce (ele não esperaria compromisso menor). A capa inclui a mesma fotografia que usei neste ano para o cartaz do nosso Bloomsday santa-mariense. Bela coincidência. Talvez nosotros cá de Santa Maria deveríamos ter oficializado algo deste tipo antes, mas agora temos neste "La orden del Finnegans" um bom roteiro, um bom ponto de partida. Ainda é tempo. [início 23/07/2010 - fim 23/09/2010]
"La orden del Finnegans", Antonio Soler, Jordi Soler, Eduardo Lago, Enrique Vila-Matas, José Antonio Garriga Vela, Malcolm Otero, Ediciones Alfabia, 1a. edição (2010), brochura 13x20 cm, 142 págs. ISBN: 978-84-937348-9-3