Lá em junho ou julho, a bem da verdade, havia eu decidido não ler esse livro, pois a agitação algo adolescente da crítica nos jornais e as repetitivas resenhas de alguns blogs até respeitáveis só alcançaram previnir-me mentalmente dele. Mas em outubro consegui um exemplar de No leer, um livro de crônicas e ensaios literários de Zambra, que li com alegria. Pensei que um sujeito capaz de produzir reflexões tão consistentes sobre literatura e arte também deveria ser capaz de oferecer ficção com estofo. De fato Bonsai é um bom livro, não um portento, não um cânone, mas algo onde uma boa história é contada, com engenho e concisão. O fato de ser algo que mais apropriadamente deveria ser chamado de conto e não ser vendido como o romance latino-americano da década (talvez do século, açodaram-se alguns em dizer) irrita um tanto o leitor. Sabemos ao apenas folhear o livro que trata-se de um produto de engenharia editorial, um livro feito para aqueles que têm pretensões literárias, para jornalistas e críticos literários sentirem que sua inteligência e/ou cultura serão finalmente dedicadas a um livro edificante, realmente importante. Como Zambra é antes um acadêmico, um professor de literatura, deve ter se divertido especialmente com a agitação que formou-se ao redor de seu livro, como um mágico que sorri discreto e enigmático ou executar seus números. Mas o texto (que é a coisa que realmente importa) se defende sozinho. A ironia do narrador e a crueldade com que descreve seus personagens é o que distingue Bonsai do flerte fácil com a banalidade. Zambra também usa uma cota generosa de truques metaliterários para forçar o leitor a pensar (toda uma lista de leituras é por ele sugerida, o que deve fazer a festa daqueles que gostam de ter suas obsessões e escolhas literárias compartilhadas com os outros). Acompanhamos a história de amor de um jovem casal chileno. Todo aquele que já experimentou alguma paixão sabe da cota bizarra de tolices que somos capazes de fazer (e a péssima clarividência sobre os desdobramentos de nossos atos). O protagonista se apaixona para ser logo abandonado por uma garota. O leitor sabe desde o início que o sujeito não vai deixar de sentir-se emocionalmente dependente dela. Todas as histórias de amor são ridículas e livros que as descrevem são produzidos aos montes, certamente desde que o homo sapiens sapiens aprendeu a registrar o que sente. O que Alejandro Zambra oferece são pequenos recortes de uma história de amor, fazendo com que o leitor preencha (com sua eventual capacidade de invenção e síntese) as muitas lacunas, tudo aquilo que não é explicitado por ele. Talvez seja assim ele alcança envolver o leitor com sua criação e seduzir tanto com tão poucos recursos. O personagem principal imagina escrever um livro, confunde a vida e seu projeto ficcional, entende mal o que dizem e fazem a seu redor amigos e empregadores. Assim, bem antes do final do primeiro parágrafo do livro, onde Zambra, após resumir sua história (garoto e garota se apaixonam, garota morrre, garoto continua sozinho), diz: o resto é literatura, o leitor já sabe que não é exatamente assim, pois além da literatura que Zambra promete para os demais parágrafos de seu livro há toda uma metaliteratura ironicamente implícita nele: os inevitáveis traços do rastilho de opiniões favoráveis; das resenhas laudatórias; do eco de tudo o que se ensina em oficinas de criação literária; dos truques de sedução utilizados por jornalistas que são amigos dos escritores; dos professores e críticos que invejam (nem sempre silenciosamente) o sucesso dos escritores. Tudo que seu personagem não alcança na ficção, mas ele, Zambra, alcança na vida.
[início 20/10/2012 - fim: 21/10/2012]
"Bonsai", Alejandro Zambra,
tradução de Josely Vianna Baptista, São Paulo: editora Cosac Naify, 1a.
edição (2012), brochura 16x22 cm, 96 págs.
ISBN: 978-85-405-0188-1 [edição original: Bonsai (Santiago do Chile: editorial Anagrama) 2006]
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