Don Miguel, da Calle Corrientes, trouxe esse volume de "La amante de Bolzano" para a última Feira do livro de Santa Maria. Eu vi o livro perdido num balaio e de lá o retirei de pronto (junto estavam um Machado de Assis em espanhol - regalo seguro para os amigos de Madrid - que também comprei sem titubear, e Ehrengard, de Isak Dinesen, sobre o qual em breve falarei aqui). Nunca havia lido nada de Sándor Márai. Ele nasceu em 1900, na região que hoje pertence à Eslováquia, mas na época era parte do Império Austro-Húngaro. Um terço de sua vida adulta ele viveu as glorias do reconhecimento da qualidade literária de seus livros, sempre escritos em Húngaro. Já a outra (e maior) parte dela viveu em trânsito, esquecido e amargurado, exilado dos regimes ditatoriais que tomaram de assalto seu país. "La amante de Bolzano" narra a fuga de um sujeito das masmorras de Veneza e os sucessos de sua estadia por um par de semanas em Bolzano, uma pequena cidade do norte italiano que está na rota de passagem entre os Alpes, útil para quem segue da planície do rio Pó rumo à Alemanha e além. Este sujeito pode ser identificado com o escritor e aventureiro veneziano Giacomo Casanova, mas Márai já nos alerta em um curto prefácio que ele não está interessado na história do Casanova real, mas sim em seu pathos, ou seja, naquilo que identificamos com os estados da alma de um sujeito, no caso, a escravidão pela paixão, a compulsão pelo sexo, a necessidade de permanente sedução, as dores do amor. O Casanova histórico de fato fugiu de Veneza no 31 de outubro de 1756, com a ajuda de um padre alcoólatra, dissoluto e bonachão também caído em desgraça, Balbi. Aí começa a ficção de Márai. Casanova é relativamente jovem, tem 31 anos, mas já é um conhecido libertino. Em Bolzano, após as convulsões advindas de sua chegada, os primeiros flertes, as questões financeiras que deve resolver, os planos para ir ao norte e refugiar-se em Munique, Casanova reencontra Francesca, mulher do poderoso conde de Parma. Talvez aquela mulher tenha sido a única que ele chegou a amar verdadeiramente, mas ao tentar seduzi-la, cinco ou seis anos antes, quando ela era ainda adolescente, Casanova teve de bater-se em duelo com o conde de Parma. Foi ferido e quase morreu. Francesca cresceu e casou-se com o conde. Márai conduz a narrativa admiravelmente bem. A cada seção do livro os personagens se encontram e discutem suas questões como em uma ópera (há algo de musical no livro) ou em uma peça (Ibsen é o primeiro nome que me ocorre). Tudo é preciso, espacial e temporalmente controlado, e tanto que o leitor chega a se imaginar presente nas cenas. Já li várias coisas realmente boas este ano: Vidas escritas, Danúbio, O professor do desejo, Mrs. Dalloway, Tudo o que tenho levo comigo, A infância de Jesus (para citar apenas seis deles dentre muitos), entretanto "La amante de Bolzano" parece pertencer aquela categoria de livros tão cheios de advertências, inspirações e segredos, tão cheios de reflexões sobre a realidade da vida e o comportamento dos homens, que não os conhecer, não lê-los, implica em furtar-se de algo realmente fundamental.
[início: 11/05/2013 - fim: 05/06/2013]
"La amante de Bolzano", Sándor Márai, tradução de Judit Xantus Szarvas, Barcelona: ediciones Salamandra, 7a. edição (2006), brochura 14x21,5 cm., 283 págs., ISBN: 84-7888-575-7 [edição original: Vendegjatek Bolzanoban (Budapest: Revai) 1940]
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