Claudio Magris publicou "Microcosmos" em 1997, durante a violenta fragmentação das repúblicas balcânicas que formavam a antiga Iugoslávia. Assim como em seu fenomenal "Danúbio", em "Microcosmos" Magris faz diversas viagens por uma região e extrai delas uma invenção riquíssima, uma narrativa inventiva, que se é enfim um romance (pois romances são aquilo que um autor afirma serem romances) tem algo de ensaio, de descrição, de crônica, de memória. Desta vez Magris - antes o narrador de Magris - explora tudo o que se irradia culturalmente e historicamente a partir de sua cidade natal, Trieste, lugar onde montanha, campo e mar se encontram. Usando o artifício de registrar conversas descompromissadas em cafés, encontros com amigos, análise do que lê em jornais, visitas a pessoas comuns que experimentaram as transições pelas quais aquela região passou, Magris alcança produzir uma narrativa muito boa de se ler. Trieste, porto importante do Império Austro-Húngaro até o início do século XX, somente tornou-se parte da Itália após a primeira grande guerra mundial, sendo posteriormente dividida com a antiga Iugoslávia, logo após a segunda grande guerra (esta parte sul de Trieste é hoje território da Eslovênia). Mas Magris não fala exatamente da história, mas sim do impacto dos acontecimentos e do tempo no modo de vida das pessoas da região. O narrador de Magris explora as ilhas do Mar Adriático, onde italianos e croatas encontram ainda ecos dos feitos dos gregos que lá viviam; percorre vales em busca de parentes distantes; lembra do longo processo de unificação italiana; experimenta os dialetos que ouve, dialetos que aproximam e afastam as pessoas; sobe montanhas que marcam fronteiras, refúgio de ursos e outras feras, e também abrigo seguro para os homens nos tempos de guerra; visita o Tirol - ou antes a caricatura do que se entende por Tirol - que se divide entre a Áustria e a Itália; vaga por parques e praças, vendo nas esculturas e nos bustos registros de uma história oficial que as pessoas sentadas nos bancos entende de outra forma, mais jocosa e divertida; sonha em uma igreja (num registro francamente autobiográfico). E segue, seja em estações de trem, em parques, em cemitérios, museus, bares e pequenos restaurantes do campo, deixando a gente do povo contar sua história, filtrando algo dela para o leitor. Mas o narrador sabe que as interpretações das coisas mudam com o tempo, sabe que cada época acrescenta uma camada de história e vida naquelas montanhas, naqueles campos, naquele mar.
[início: 17/03/2013 - fim: 31/05/2013]
"Microcosmos", Claudio Magris, tradução de Roberta Barni, Rio de Janeiro: editora Rocco, 1a. edição (2002), brochura 14x21cm., 251 págs., ISBN: 85-325-1374-3 [edição original: Microcosmi (Milano, Garzanti Libri) 1997]
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