Nos romances de Antonio Tabucchi o leitor corre sempre o risco de se deixar iludir por aquilo que o autor apresenta em curtos prólogos (coisa de uma página, se tanto). Ele sempre propõe uma espécie de jogo autoral, de definição de quem é o narrador afinal de contas, mas sendo ele senhor e árbitro das regras e dos prêmios, sabe que sempre exercerá total e implacável controle do que oferece ao leitor. Seus livros sempre são curtos. No caso de "Noturno indiano" Tabucchi diz na nota que antecede o texto que ele (um A.T., que pode não ser Tabucchi, claro) também percorreu os caminhos de seu protagonista, os caminhos serpeantes do narrador da história que começaremos a ler, como se isso desse maior verossimilhança ao texto. Ele lista também os doze lugares da Índia que correspondem as doze noites vividas pelo protagonista naquele país e aos doze capítulos do livro que o leitor irá experimentar. Após a lista eis que surge um narrador dizendo estar em Bombain, na Índia, num táxi, rumo a um hotel onde imagina poder ter notícias de um amigo português chamado Xavier. Nesse hotel encontra uma prostituta que havia lhe enviado uma carta onde o alertava o quão doente Xavier estava. A sequência de eventos é vertiginosa, a cada dia o sujeito que procura Xavier se hospeda em um hotel ou pousada diferente ou embarca em num meio de transporte diferente (um trem ou ônibus), de Bombain a Madras, de Madras a Mangalore e daí a Goa (o antigo enclave português no continente indiano). O Xavier que ele procura parece se metamorfosear ao longo do livro (de doente a estudante de uma sociedade teosófica, asceta em um velho mosteiro, homem de negócios). Como os temas do livro são as questões de identidade, do duplo, do doppelgänger o narrador também passa por transformações importantes, afetado pelas informações fragmentárias e pistas que segue, pistas que recebe da prostituta que o recebe no primeiro capítulo, de um colega de viagem num trem, de um médico, de um monge, de um filósofo, de uma estelionatária, dos recepcionistas e garçons dos hotéis em que se hospeda, de um carteiro amalucado e, por fim, de uma fotógrafa com quem flerta, no último capítulo do livro. O que permanece obscuro no livro pode ser interpretado de várias maneiras, o que é revelado não é exatamente a mais original das soluções possíveis. Paciência. Gostei mais de "Afirma Pereira", mas "Noturno indiano" tem lá seu valor. E Vamos em frente. Vale.
[início: 03/05/2015 - fim: 05/05/2015]
"Noturno indiano", Antonio Tabucchi,
tradução de Wander Melo Miranda, São Paulo: editora CosacNaify, 1a. edição
(2012), brochura 13x19 cm., 94 págs., ISBN: 978-85-405-0227-7 [edição
original: Notturno indiano (Milano: Feltrinelli editore) 1984]
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