Sempre que encontro algo sobre Veneza sei que recuperarei algo dos dias de flanêur que vivi por lá (com o Vasari debaixo do braço). Lembro do John Ruskin, do Jan Morris, de "Brideshead Revisited", das histórias de Javier Marías, Arturo Pérez-Reverte, Josep Pla, Proust e Bioy Casares. Nesse livro encontramos dois ensaios de Jean-Paul Sartre. São reflexões de um esteta, de um filósofo interessado em descrever o que vê da arquitetura e das obras de arte visuais de um lugar. O primeiro e o menor dos dois, "Veneza, de minha janela", é de fevereiro de 1953, publicado originalmente numa revista (Verve, n.27-28). Sartre convida o leitor a segui-lo, a ouvir com ele os ruídos da cidade, a voz dos habitantes, os cheiros e as cores dos lugares, ironiza os tristes turistas que fotografam e consultam guias de viagens. O Grande Canal mostra o caminho, serpenteia pela cidade e oferece ao caminhante o casario, os museus, as pontes, as sombras que nos fazem perder o senso e a direção. O segundo texto ("O seqüestrado de Veneza") dá nome ao livro. É de novembro de 1957 e também foi publicado originalmente numa revista (Les Temps Modernes, n.141). Trata-se de um longo ensaio biográfico sobre Jacopo Robusti, o famoso pintor conhecido como Tintoretto. Sartre descreve como Tintoretto, um veneziano de nascimento, nunca alcançou a mesma posição social que tiveram, cada um a seu tempo, seus colegas Ticiano, Veronese, Rafael, Giorgione, Michelangelo (todos nascidos em outras cidades italianas porém recebidos em Veneza com o respeito oficial da Sereníssima República). A leitura de Sartre é algo marxista, ele louva o fato de Tintoretto trabalhar para comerciantes, igrejas paroquiais, funcionários e pequenos burgueses da cidade e não apenas para os Doges e o alto clero de Veneza. O Tintoretto de Sartre é um operário, um arrivista incansável, um artista que desenvolve procedimentos técnicos que permitem a ele não apenas emular o estilo de seus rivais quanto fazê-lo rapidamente e aceitar preços menores. Ele seria um dos responsáveis por deslocar o sagrado um tanto para fora do centro da arte, incorporando o profano e sua ferocidade. O livro inclui um conjunto grande de notas (assinadas por Luiz Marques) que contextualizam as informações de Sartre (há algumas incorreções segundo Marques, mas nada que desautorize totalmente o texto). Há também uma boa cronologia de Tintoretto. Bom, mas vamos em frente.
[início: 19/04/2015 - fim: 28/04/2015]
"O seqüestrado de Veneza", Jean-Paul Sartre, tradução de Eloisa Araújo Ribeiro, São Paulo: editora Cosac Naify, 1a. edição (2005), brochura 15,5x19 cm., 104 págs., ISBN: 978-85-7503-444-8 [edição original: Le sequestré de Venise (Paris: Editions Gallimard) 1964]
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