Das muitas alegrias que experimentei em Dublin em fevereiro passado a mais comunitária (digamos assim) foi encontrar-me repetidas vezes com vários admiradores da obra de James Joyce, gente que nunca vi e com quem nunca havia me correspondido antes e sempre sentir-me automaticamente integrado, instantaneamente acolhido, alegremente respeitado, seguro de estar entre gente amiga. Foram mesmo sensações boas. Quando visitei a Martello Tower em Sandycove, no dia em que se comemora o aniversário de Joyce, naquele frio porém ensolarado 2 de fevereiro, conheci um bocado de gente: os atuais administradores do museu (que fazem parte de uma espécie de cooperativa ou organização não governamental); o grupo de leitura de Joyce que se reúne nas quartas feiras num pub das redondezas (o Fitzgerald's of Sandycove); o Robert Gogan (músico e ator que apresentou seu divertido "Strolling Through Ulysses" numa das salas do museu) e tantos outros agora amigos (como não dizer isso agora?). Dentre eles conheci o Conor Fennell, um jornalista aposentado da RTÉ irlandesa que é também um refinado entusiasta da obra de James Joyce. Recentemente ele publicou "A little circle of kindred minds: Joyce in Paris". Trata-se de uma bem documentada narrativa sobre os quase vinte anos que Joyce viveu em Paris (que pretendia ficar lá apenas uma semana, no início de 1920, tempo suficiente para resolver algumas questões burocráticas com as futuras editoras de seu tão esperado "Ulysses": Adrianne Monnier e Sylvia Beach, proprietárias da mítica Shakespeare and Company). Fennell conta sua história apresentando as pessoas que foram capturadas pela genialidade de Joyce e passaram a frequentar seu circulo de relações. Fennell os chama de "kindred minds", algo como almas gêmeas ou talvez pessoas reunidas por afinidade intelectual. Mas ele nos lembra que Joyce nunca se aproximava de alguém se não pudesse encontrar nesta pessoa aquele que pudesse de alguma forma trabalhar para ele naquele momento, envolvendo-o em seu projeto literário, seja transcrevendo notas, organizando documentos, visitando bibliotecas, obtendo informações das mais variadas fontes, fazendo empréstimos ou mesmo resolvendo problemas domésticos. O sujeito era um tirano de fato (um "general jesuíta", lembra-nos Samuel Beckett), mas um seminal e sedutor tirano afinal de contas. "Joyce in Paris" reúne muita informação, material geralmente disperso na vasta bibliografia relacionada a vida e obra de Joyce. Fennell optou por apresentar Joyce através de seus acólitos (dentre tantos, Arthur Power; Eamon de Valera; Thomas McGreevy; Robert McAlmon; Ernest Heminway; George Moore; Mary e Padraic Colum; George Antheil; Patrick Tuohy; James Stephens; Samuel Beckett; John Sullivan; Scott Fitzgerald; Erza Pound; Gertrude Stein; Paul Léon; Sylvia Beach; Frank Budgen e Harriet Shaw Weaver. Como o livro inclui muitas histórias e anedotas que já fazem parte da mitologia joyceana Fennell tomou o cuidado de oferecer curtas notas e referências explícitas ao final de cada um dos quinze capítulos do livro. Gostei particularmente do capítulo dedicado aos políticos irlandeses (à época havia ainda muitos exilados irlandeses em Paris devido o frustrado levante revolucionário da Páscoa de 1916) e do capítulo onde se fala mais detidamente sobre Lucia Joyce (que sofria de esquizofrenia). Encontramos no livro uma generosa bibliografia e um fundamental índice onomástico (que ajuda o leitor mais açodado ou apenas curioso pelas relações de alguém específico com Joyce). A primeira edição desse livro já está esgotada (Fennell surpreendeu-se quando eu disse a ele que havia conseguido um exemplar naquele dia mesmo através do Abebooks), mas ele garantiu-me que uma segunda (revisada e ampliada edição) deverá sair ainda neste 2015. Tomara. Trata-se de um livro realmente bem escrito. E haverá por aqui mais dos livros sobre Joyce que trouxe de Dublin, seguro que sim. Vale.
[início: 02/02/2015 - fim: 31/08/2015]
"A Little Circle of Kindred Minds: Joyce in Paris", Conor Fennell, Glasthule/Dublin: Green Lamp Editions, 1a. edição (2011), brochura 13,5x21 cm., 300 págs., ISBN: 978-1-907694-98-1
7 comentários:
Tudo que diz respeito a escritores vivendo esse tempo em Paris me interessa. Ainda não li o Ulisses, está aqui à espera de que eu reúna forças para tal, mas esse livro que você comenta deve ser bem interessante, até porque a sra Gertrude Stein e o sr Hemingway estão presentes. Um abraço, Vera
Oi Vera, como vais? O sujeito fez um livro de bom jornalista, bem documentado e controlando o entusiasmo natural do tema. Vou te mandar o link para o blog dele. Abraços
Oi Vera, como vais? O sujeito fez um livro de bom jornalista, bem documentado e controlando o entusiasmo natural do tema. Vou te mandar o link para o blog dele. Abraços
Oi Vera, segue aqui o link para o site do Conor: http://conorfennell.com/a-little-circle-of-kindred-minds-2/
troquei um e-mail com ele ontem. aparentemente ele mesmo está comercializando o livro. se você estiver curiosa sobre o texto vale a pena escrever para ele.
Bom divertimento.
aguinaldo
Fiquei com muita vontade de ler esse livro...mas em inglês não vai rolar...
Merci, caríssimo, vou ver se o convenço a me 'emprestar' o livro (heheh). grande abraço, vera PS. hoje peguei seu Arquimedes e comecei a ler, junto com outros que também estão em processo de. outro abraço ::))
Ele pede que nos juntemos à página do livro no facebook, o que fiz, aqui: https://www.facebook.com/JoyceInParis/timeline/
abraço,
vera
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