A ideia do livro é amalucada e parecia promissora, mas o resultado obtido por mexicano Álvaro Enrigue neste seu "Morte súbita" não funcionou comigo. Somos apresentados a uma improvável partida de tênis entre o poeta espanhol Francisco de Quevedo e o pintor italiano Michelangelo Caravaggio (que acontece na Piazza Navonna de Roma, em 1599). Os marcadores de pontos dos dois jogadores não são menos ilustres: Galileu Galilei marca os de seu compatriota italiano, enquanto que o terceiro Duque de Osuna, don Pedro Téllez-Girón, marca os de seu amigo Quevedo. A bem da verdade a partida de tênis é apenas um artifício utilizado por Enrigue para falar dos embates entre a reforma protestante e a contrarreforma católica no século XVI e seus desdobramentos, nas artes, na política e na sociedade, que eventualmente culminarão naquilo que pode ser entendido como o início da modernidade. Enrigue nos faz acompanhar o destino de alguns objetos icônicos: de uma bola de tênis feita em parte com os cabelos de Ana Bolena (uma das mulheres do rei inglês Henrique VIII); de um escapulário que teria sido dado ao explorador Cortés por sua mulher asteca, Malinche; de um manto real do imperador asteca Montezuma, joia da arte plumária asteca, que acaba se tornando parte das vestes cerimoniais de um importante bispo católico; dos quadros produzidos por Caravaggio e sua revolucionária técnica. Além de contar algo dos muitos jogos dos astecas que inspiraram as regras do tênis moderno, ele detalha as regras do bizarro jogo quinhentista (conhecido como pallacorda) em que ele colocou Caravaggio e Quevedo (o resultado do jogo o título já antecipa, só se decide por morte súbita, um ponto final). Seu livro é fragmentado em dezenas de pequenas histórias, algumas curiosas, outras irrelevantes, outras ainda certamente inventadas por ele para adaptar os destinos cruzados dos personagens que aparecem nas demais. Todas estão de alguma forma estão relacionadas a uma mais importante, a trágica história da destruição das civilizações pré-colombianas pelos europeus. Lembrei dos bons ensaios de Carlos Fuentes, que li no início dos anos 1990, reunidos em "O espelho enterrado" e, claro, do bom livro de Andrea Camilleri em que ele fala dos sucessos da vida de Caravaggio, "El color del sol". Interessante esse livro do Álvaro Enrigue, mas artificial demais para o meu gosto. Vale.
[início: 09/10/2016 - 21/20/2016]
"Morte súbita", Álvaro Enrigue, tradução de Sérgio Molina, São Paulo: editora Schwarcz (Companhia das Letras), 1a. edição (2016), brochura 14x21 cm., 296 págs., ISBN: 978-85-359-2715-3
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