A ideia é boa: contar a história dos cientistas que forjaram a formação de um outro cientista, mas Mario Novello, sempre incorrigível, faz o leitor entender já nos primeiros parágrafos que ele falará sempre mais de si do que qualquer outro indivíduo, tenha esse mais mérito, precedência ou tino, pouco importa. É pena. Não que o Novello não seja um físico importante, cujo mérito não mereça consideração e registro. É óbvio que trata-se de alguém que formou dezenas de bons estudantes, publicou centenas de artigos e é respeitado de fato por uma parte considerável da comunidade acadêmica, brasileira e internacional. Mas aquilo que ele mesmo promete na introdução: "Não é minha intenção aproveitar-me deles como um meio de falar de mim", nunca é alcançado. Claro, Cesar Lattes, José Leite Lopes, Jayme Tiomno e Mario Schenberg, percorrem alguns capítulos do livro, são citados ali e acolá, ora com uma discreta reverência ora com vistoso desdém, mas fazem parte da narrativa. Porém, o que o livro de fato faz é descrever as contribuições de Novello nas várias questões da física que o interessaram em sua exitosa carreira: a origem das massas das partículas elementares; a violação das simetrias fundamentais; as ondas gravitacionais; o problema cosmológico; a relação entre a cosmologia e a física das altas energias; a formação das galáxias e a variação das leis da física no universo. Um sujeito curioso nestes temas aprenderá um bocado. Mas tanto o Lattes quanto o Leite Lopes, o Tiomno e Schenberg (e de resto o próprio CBPF, Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas) são apenas coadjuvantes da trama, aparecem como indivíduos que em alguma época e de alguma forma se interessaram pelos problemas discutidos por Novello. Há uma inegável repetição de histórias (Novello antecipa já na introdução que escreve de memória e não tem a intenção de que os fatos tenham acontecido exatamente como ele os descreve). A edição, algo frouxa, mistura textos produzidos para outros fins e em outras épocas com coisas mais recentes, não respeitando ordem temática ou cronológica. Isso acaba resultando numa espécie de recorte de artigos mal acabado. O rosário de registros de sua precedência na previsão de fatos científicos que mereceram ou prêmios Nobel de Física ou outras distinções tão notáveis quanto, cansam o leitor, mesmo aquele mais crédulo ou neófito. Oká. A bem da verdade aprende-se um bocado com a leitura deste "Os cientistas de minha formação", mas ele poderia ter tirado os nomes e a menção dos quatro grandes físicos de sua narrativa sem prejuízo algum a seus argumentos e história de vida acadêmica. Como um amigo meu lembrou-me noutro dia, esse tipo de registro historiográfico é similar àquele de Garry Kasparov em sua série de livros "My great predecessors". O xadrez parece ter começado em 1963, quando ele nasceu. Paciência. Autoconfiança pode ser tudo na vida de um sujeito. Vale.
[início: 21/10/2016 - fim: 31/10/2016]
"Os cientistas de minha formação", Mário Novello, São Paulo: LF Editorial / Editora Livraria da Física, 1a. edição (2016), capa-dura, 16x23 cm., 212 págs., ISBN: 978-85- 7861-391-4
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