Ganhei esse "Dias de feira" de don Renato Cohen, amigo dos bons. São textos curtos, crônicas que brotaram da experiência profissional do autor, Julio Bernardo. Nascido em 1973 ele acompanhou desde pequeno os pais em feiras livres pela região da Lapa, em São Paulo, e também, já como feirante independente, nos municípios de Osasco, Cotia e Itapevi. Após a morte do pai, em 1997, Julio trabalhou como chefe de cozinha e DJ por uns dez anos. Depois manteve um blog de critica gastronômica (o botecodojb.blogspot.com) por oito anos, de 2007 a 2015. Aparentemente o blog alcançou grande repercussão e influência, sustentou polêmicas e recebeu centenas de comentários, tanto elogiosos quanto refratários. Todavia Júlio cansou-se das dificuldades, das reações às suas ácidas resenhas e do inevitável tédio que a manutenção deste tipo de trabalho. Atualmente ele mantém no ar suas crônicas gastronômicas no YouTube e começou um outro blog sobre gastronomia, vida noturna de São Paulo e outras insignificâncias, o edificiotristeza, bem mais sereno e reflexivo, senhor de si mesmo, sem se importar com os anônimos detratores, e em parceria com vários colegas de ofício. Mas vamos falar de seu livro. O "Dias de feira" reúne cinquenta crônicas. Eu diria que uma parte pertence ao plano da memória, da historiografia ligeira, do registro documental, mas há uma maioria que me parecem mais próximas ao território da invenção, da criação literária, da licença poética, da imaginação livre. Há verdade no texto, mas uma verdade mascarada, que ilude. Júlio trata do microcosmos das feiras livres, numa sociologia selvagem, confessional. Apresenta ao leitor o funcionamento das feiras, sua organização, suas regras e personagens típicos. Há violência, álcool, drogas, trambiqueiros, presidiários e sexo nas narrativas. E há também nelas humor e sarcasmo de sobra, quase sempre em estalos episódicos, em causos, que poderiam ser recontados rapidamente por qualquer um, como uma piada que se aprende e é incorporada a um repertório pessoal. Quase metade dos textos são curtas e livres biografias de sujeitos emblemáticos da memória afetiva de Júlio: seus pais, seus colegas e funcionários, os amigos de infância e do bairro, Vila Hamburguesa e adjacências, uma nau dos insensatos paulista, ou da Lapa, melhor dizendo. Algo das transformações pelas quais passou esse tipo de negócio está incorporada ao livro. Cabe dizer que as feiras continuam na paisagem paulista (são 120 por dia da semana, umas 900 por mês, não é pouco). Ele não chega a ser saudosista, sabe que a cada período de tempo novas regras, procedimentos, normas de conduta e regulação pública modificam esse oficio. Sujeito interessante. Vale a leitura.
Registro #1206 (cronicas e ensaios #214)Inicio: 31/07/2017 - fim: 02/08/2017
"Dias de feira", Júlio Bernardo, São Paulo: editora Schwarcz (Grupo Companhia das Letras), 1a. edição (2014), brochura 14x21 cm., 189 págs., ISBN: 978-85-359-2432-9
Nenhum comentário:
Postar um comentário