sábado, 26 de agosto de 2017

na ilha de falesá

Depois de ler os relatos de Stevenson sobre as viagens solitárias e as Cévennes, eis que encontrei essa sua história de aventuras dos mares do sul. O enredo lembra um tanto o fundamental "Coração das Trevas", mas não ele não alcança o tom trágico da história de Joseph Conrad, muito embora faça uma potente descrição do encontro de civilizações partindo do comportamento e escolhas de homens comuns (as "civilizações", lembremos, são apenas abstrações que inventamos para poder definir com algum apuro aquilo que lembramos da história de nós mesmos). Stevenson narra a chegada de um sujeito (Wiltshire) que assume um entreposto comercial em uma remota ilha do Oceano Índico (certamente um lugar semelhantes as ilhas Samoa, para onde ele emigrou, em 1888, pouco mais de seis anos antes de morrer). A ideia é vender aos ilhéus quinquilharias em troco da polpa seca dos cocos da região, para que seus contratantes ingleses possam posteriormente extrair deles óleo, um produto de grande valor no século XIX. Wiltshire chega à ilha após a morte de pelo menos três outros homens antes dele, mortes por loucura, doenças inexplicáveis ou suicídio. Trata-se de um mundo corrompido por missionários, padres, religiosos e agentes coloniais (da Inglaterra, Holanda, França, Alemanha, que competem entre si). Sem saber exatamente os costumes do lugar ele descobre-se estar sob a marca de mau olhado, uma proibição tribal, que impede que os ilhéus façam negócios com ele. Com engenho, diplomacia, alguma violência e arte ele descobre a origem das intrigas que fizeram com que ele fosse hostilizado desde sua chegada. A narrativa que se conta é retrospectiva. Já sabemos, no início do livro, que é um velho Wiltshire quem conta os sucessos desta fase remota de sua vida, de como não conseguiu jamais retornar a Londres, abrir uma taverna como planejava, tornando-se um velho das colônias, criando filhas mestiças, que imagina ser possível casar com homens brancos. Há uma não disfarçada melancolia neste final. Se pessoas como ele não forem para o inferno, filosofa ele, é porque o inferno não existe. Interessante. Esse livro faz parte de uma coleção de histórias curtas (A arte da novela, da Grua Livros, originalmente produzidas pela Melville House Publishing, das quais já li: "A briga dos dois Ivans", "A lição do mestre", "O colóquio dos cachorros", "Michael Kohlhass", "O véu erguido", "O homem que corrompeu Hadleyburg", "O homem que queria ser rei", "A pedra de toque" e "Stempenyu: um romance judaico"). Vale.
Registro #1207 (novela #69)
[início: 05/06/2017 - fim: 01/08/2017]
"Na ilha de Falesá", Robert Louis Stevenson, tradução de Bernardo Ajzenberg, São Paulo: Grua livros, 1a. edição (2017), brochura 13x18 cm., 136 págs., ISBN: 978-85-61578-62-6 [edição original: (London: The Illustrated London News) 1892]

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