Estão reunidos neste livro os cinco "Contos da Tartaruga Dourada" remanescentes dos escritos produzidos pelo poeta coreano Kim Si-seup, no final do século XV. Essa obra é considerada o primeiro registro de prosa ficcional da literatura coreana. São histórias fantásticas, onde homens e divindades interagem, fantasmas procuram gente solitária ou em crise, onde magia e realidade são registros igualmente válidos, nas quais ensinamentos morais e análise sociológica se fundem, sutilmente. Os fundamentos expressos nos contos brotam do budismo, do confucionismo, do taoismo. A influência é sempre chinesa, dos clássicos chineses, na escrita, nas histórias que se contam e inspiram os personagens, nos mitos, mas o autor se sabe distinto dos chineses, sabe pertencer a um reino especial (Kim Si-seup viveu nos tempos do Grande Rei Sejong, o promulgador do código de escrita do alfabeto coreano). Os contos são escritos sim em prosa, mas há longas seções poéticas neles (talvez um quarto ou um terço do total do livro). A poesia é na verdade o instrumento utilizado pelos personagens quando interagem entre si, nenhuma ideia, nenhum conceito é verbalizado em prosa, quando não fazem reflexões para si mesmos eles expressam seus sentimentos através da poesia. Há um jogo licencioso em quase todas as histórias, uma sexualidade camuflada, um duplo sentido que elide a mecânica do ato sexual. Em geral são deidades femininas que se apresentam a homens, mas há também deuses que ficam curiosos de um destino humano e convocam o vivente para um colóquio divino, honrando neles sempre a sabedoria e a capacidade de expressão poética. Em "Um jogo de varetas no Templo das Mil Fortunas" um rapaz reza e pede a Buda uma noiva; Em "Yi espreita por cima da mureta" um rapaz seduz uma garota que vive encerrada em uma espécie de pavilhão dourado; em "Embriaguez e deleite no Pavilhão do Azul Suspenso" um belo rapaz se embebeda e passa uma noite de sonho com uma "mulher que não faz parte do reino dos homens", frase sempre repetida nas histórias de Si-seup; em "Visita à Terra das Chamas Flutuantes do Sul" um sábio estudioso do confucionismo é convocado para visitar o reino dos mortos e de alguma forma preparado para tomar o lugar daquele rei (lembra o mito de Éaco); e no conto "O banquete esvanecido no Palácio do Fundo das Águas" um outro estudioso é levado a um reino mágico, desta vez como convidado de honra, como se o rei do lugar quisesse mostrar a seus súditos que há sabedoria também no mundo dos homens. O livro inclui uns mimos: curtos ensaios que contextualizam vida e obra do autor e de seu país, a Coreia, uma bela apresentação assinada pelo poeta Nelson Ascher e uma nota explicativa da tradutora, Yun Jung Im, sobre os procedimentos e método que utilizou. Muito interessante.
Registro #1209 (contos #141)[Início: 11/08/2017 - fim: 16/08/2017]
"Contos da Tartaruga Dourada", Kim Si-seup, tradução de Yun Jung Im, São Paulo: Estação Liberdade, 1a. edição (2017), brochura 13,5x19 cm., 175 págs., ISBN: 978-85-7448-284-2 [edição original: Geumo Shinhwa 금오신화 (Reino das manhãs calmas, Dinastia Joseon, Coreia) séc. XV]
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