"Los perros duros no bailan" é uma legítima fábula moderna. Arturo Pérez-Reverte só dá voz e protagonismo a cães, uma centena deles, cada um com suas idiossincrasias e suas circunstâncias. Utilizar animais para fazer analogias entre o comportamento dos homens e as histórias vivenciadas por personagens caninos é mesmo uma fórmula antiquíssima, mas acho que posso imaginar um outro motivo para Pérez-Reverte tê-la escolhido. Nesse nosso cotidiano bizarro, em que hordas de censores advogam políticas ditas "corretas", que se espalham como um câncer em todas as atividades humanas, inclusive na literatura, na ficção, um livro onde o que é dito pelos cães o fosse mais convencionalmente dito por humanos teria muita chance de cair em algum "index" de livros a serem combatidos, a serem censurados, a serem eventualmente queimados em praça pública (chegaremos lá, os homo sapiens sapiens parecem ser tóxicos a si mesmos, como em uma doença auto imune). Mas vamos voltar a literatura. Em "Los perros duros no bailam" acompanhamos a jornada de Negro, um cão que durante muito tempo foi adestrado para participar de lutas, frequentemente mortais. Por acaso Negro chegou a aposentar-se das lutas, passou a viver livre nas ruas, mesmo tendo uma função noturna de vigia, com direito a coleira, vacinas e alimentação farta. Negro, como um velho boxeador, tem seus lapsos de memória, alguma lentidão no pensar, mas manteve o instinto assassino de sua linhagem. Dois cães seus amigos, Teo e Boris, desaparecem. Negro decide resgatá-los, o quê, após muitas reviravoltas, implica em voltar aos ringues de combate entre cães, voltar a ser instrumento para o deleite de humanos torpes, que fazem apostas, perdem e ganham dinheiro com as lutas. A narrativa é repleta de clichês e frases feitas adaptadas ao mundo canino (o leitor ri, mas é uma fórmula fácil demais). É também povoada por personagens caninos planos, que representam apenas uma virtude ou vício, apenas uma característica ou falha de caráter (há os covardes, os fracos, os lúbricos, os dissimulados, os heroicos, os cúmplices, os filosóficos). Trata-se afinal de um livro que valoriza o comportamento moral de alguns cães, modelares de uma espécie que não conhece a hipocrisia. O livro também deve muito ao mundo do cinema. Há uma miríade de citações cinematográficas neles. O roteiro lembra obviamente "Spartacus", do Kubrick, mas há ecos de Casablanca, de neorealismo italiano, de Hitchcock, de westerns, sobretudo os spaghetti (Sergio Leone à frente, claro). Apesar de ser esquemático e de certa forma ser previsível, pois a jornada de Negro para resgatar seus amigos é uma jornada do herói clássica, o livro funciona. Pérez-Reverte já tinha demonstrado o quanto é bom observador do mundo canino em suas crônicas reunidas em 'Perros y hijos de perra", que já registrei aqui. Diversão garantida. Vale!
Registro #1300 (romance #344) [início: 27/07/2018 - fim: 28/07/2018]
"Los perros duros no bailan", Arturo Pérez-Reverte, Cíudad Autônoma de Buenos Aires: Alfaguara / Penguin Random House Grupo Editorial, 1a. edição (2018), brochura 13x21,5 cm., 168 págs., ISBN:
978-987-738-505-2
Nenhum comentário:
Postar um comentário