"Veneno de cristal" é o décimo quinto volume com os sucessos do comissário Guido Brunetti, invenção da sereníssima Donna Leon. Desta vez a investigação é algo informal, um favor para um amigo do inspetor Vianello que enredou-se numa trama na qual se fundem a cobiça dos homens por poder e riqueza com a soberba daqueles que possuem um dom raro que não querem compartilhar com ninguém. O cenário muda um tanto. Brunetti e Vianello precisam ir mais ao norte de Veneza, ao pequeno arquipélago de Murano, ilha onde se concentram os sopradores de vidro, fabricantes de cristal, artífices do fogo. O ritmo é lento, primaveril. Dificilmente, nos livros de Donna Leon, o crime acontece na primeira página e resolvido na última. Neste caso a única morte que precisa ser investigada acontece mesmo já na segunda metade do livro. O que se investiga mais atentamente é a poluição da laguna, os métodos que pessoas inescrupulosas utilizam para não seguir normas da comunidade europeia de proteção ambiental. Vianello mostra mais de seus matizes: leitor de artigos científicos, quase vegano, solidário à questões sociais, hábil hacker de computadores, cético sobre a união europeia, um livre pensador que respeita as mulheres. O ritmo tranquilo de almoços familiares e jantares onde comer, beber e desfrutar da companhia um do outro vividos por Paola, Brunetti e seus filhos sempre é invejável, muito embora saibamos que não se pode emular uma vida assim, fazê-la facilmente brotar desde um livro. O livro rediscute também temas já conhecidos do leitor da série: questões linguísticas, o problema crônico do turismo, as transformações urbanas da cidade, os "carteiristas não-comunitários", a sutil arte da etiqueta veneziana. Os crimes se resolvem por um detalhe, lugar onde o diabo mora, sempre. Falar em solução do crime talvez não seja apropriado. Os casos não são exatamente solucionados nos livros de Donna Leon. Quando muito sabemos a motivação, o como, quando, quem e porque de algo, mas nunca os mecanismos implacáveis da justiça em ação (isso é para otimistas ou ingênuos). Só o sarcasmo salva um sujeito da depressão, caso espere correção e ordem nas engrenagens do sistema de poder e no aparato judicial (de qualquer país e lugar, em qualquer tempo). Esse é o último dos livros dela que li fora da ordem cronológica, há mais de um ano. Agora os próximos volumes serão lidos e registrados na ordem certa. Outro bom e honesto volume esse "Veneno de Cristal". Vale!
Registro #1312 (romance policial #75) [início: 18/07/2017 - fim: 24/07/2017]
"Veneno de cristal (Brunetti #15"), Donna Leon, tradução de António Carlos Carvalho, Lisboa: Planeta Manuscrito (Grupo Planeta), 1a. edição (2011), brochura 15,5x23,5 cm., 278 págs., ISBN: 978-989-657-173-3 [edição original: Though a Glass, Darkly (Zürich: Diogenes Verlag AG / Penguin Randon House Group) 2006]
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