Esse é o décimo terceiro volume da série dedicada aos sucessos do comissário Guido Brunetti em Veneza. Em "Provas manipuladas" acompanhamos a solução clássica de um crime que foi atribuído a uma pessoa inocente, por xenofobia, sexismo, racismo. Uma idosa e irascível senhora é encontrada morta e a polícia italiana resolve facilmente o caso ao verificar que uma mulher de origem romena que prestava serviços de faxina a ela havia saído apressadamente do país com uma soma considerável de euros (já estamos nos tempos da unificação monetária da Europa, Donna Leon sempre sincronizando a realidade com sua invenção). Apesar desta evidência, Brunetti é instado a envolver-se e investigar novamente o crime por um padre para quem ele devia alguns favores, ainda na juventude. A trama é bem elaborada, intrincada mesmo, todavia funciona. Mas o crime e a inventiva narrativa são na verdade apenas um artifício que Donna Leon criou para espezinhar mais uma vez a sociedade italiana, exemplificar o alcance perverso dos hábitos, dos infinitos recursos que a lei de lá permite aos muito ricos e muito culpados, dos costumes italianos, da cobiça dos incorporadores imobiliários, das leis trabalhistas fascistas, da inevitabilidade do confronto entre os cidadãos daquela sociedade e os imigrantes (seja do leste europeu, seja do mundo muçulmano, sejam latinos americanos). Apesar das críticas aos métodos alucinantes da burocracia italiana quem auxilia Brunetti na solução do caso é uma cidadã italiana, que mesmo contra pressões públicas defende a empregada romena e explica as circunstâncias de sua saída da Itália e o porquê dela estar com muito dinheiro. Brunetti é um detetive que sabe ouvir, que deixa fatos e evidências aflorarem do cipoal de meias verdades e mentiras completas. Esse volume explora as virtudes privadas, os vícios públicos e os pecados capitais, que coexistem e assombram qualquer sociedade contemporânea. Elettra e Vianello trabalham no limite da lei para contornar a crise que a interferência de seu chefe na investigação. Paola, nos agradáveis almoços e jantares em família, proporciona com sua sagacidade e até cinismo, uma espécie de bolha de tranquilidade, de paz, para Brunetti. Trata-se de um volume que reforça a importância de um círculo de amizades não tóxicas para a saúde mental de qualquer sujeito, de qualquer família. Assim como o anterior, "Assassínio na Academia", esse é dos mais amargos volumes da série. Como minha versão foi editada em Portugal tive um prazer complementar ao ler o livro, pois encontrei vários termos que não são rotineiramente utilizados aqui no Brasil, como comboio, assoalhada, se mo permitem, gelosias, forreta, coscuvilhar, entre tantos outros. Como é rico e vasto nosso português. Mas vamos em frente. Vale!
Registro #1304 (romance policial #73) [início: 21/02/2018 - fim: 24/02/2018]
"Provas manipuladas (Brunetti #13)", Donna Leon, tradução de Ana Lourenço, Lisboa: Planeta Manuscrito (Grupo Planeta),
1a. edição (2010), brochura 15,5x23,5 cm., 246 págs., ISBN:
978-989-657-066-8 [edição original: Doctored Evidence (Zürich: Diogenes Verlag AG / Penguin Randon House Group) 2004]
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