sábado, 27 de outubro de 2018

sabotaje

Com "Falcó" Arturo Pérez-Reverte começou sua série de volumes dedicados aos anos de ascensão do franquismo. Os sucessos gravitavam uma fictícia tentativa de resgate José Antônio Primo de Rivera, líder dos falangistas, logo no início da guerra civil, em novembro de 1936. "Eva", o segundo volume da série, se passavam em Tánger, no Marrocos, no início de 1937. No recentemente publicado "Sabotaje", Pérez-Reverte faz o tempo avançar uns poucos meses deste mesmo ano, para o início do verão europeu. A nova missão de Falcó envolve eliminar um francês, Leo Bayard, sofisticado brigadista internacional que apóia os republicanos na guerra civil. Simultaneamente, ele deve sabotar um quadro que Pablo Picasso pintava por aqueles dias, o impressionante Guernica, que todos conhecemos, sabemos que está exposto no Centro de Arte Reina Sofia, em Madrid, incólume e digno, ainda cumprindo seu papel de ícone contra o militarismo, sua força expressiva ainda manifestando repúdio à violência e os horrores da guerra, de todas as guerras. Como sempre nos livros de Pérez-Reverte a narrativa é acelerada, cheia de reviravoltas, deliciosas tramas paralelas, algum sexo, uma miríade de referências cinematográficas e chistes, de forma que dificilmente o leitor alcança abandoná-lo. Falcó é um anti-herói, alguém que luta contra um governo legítimo, ao lado de quem aprendemos identificar como fascistas, mas Pérez-Reverte soube dar matizes a seu protagonista, que é mais que um cínico, que um niilista, e faz o leitor aceitar que em situações complexas nem sempre é possível identificar todos os personagens como bons ou ruins, e todas as ações como absolutamente certas ou erradas, justificáveis ou condenáveis. Fascistas, comunistas, anarquistas, trotskistas, nacionalistas e tantos outros combatentes da guerra civil se equivalem, são capazes de atos vis ou honrados, de serem morais ou desonestos. Afinal, o ser humano vive sempre num carrossel de sentimentos contraditórios. Pérez-Reverte faz de Lorenzo Falcó uma espécie de James Bond dos anos 1930, um mestre da ironia, que sabe entender rapidamente a psique de seus interlocutores, agir da forma mais eficiente para cumprir suas tarefas. Não me cabe detalhar aqui os sucessos desta aventura, já que toda a graça do livro está em saber justamente como ele falhará em seu intento de destruir Guernica, como não será capaz de impedir Picasso de finalizá-lo. Ao terminar o volume, para mim o melhor dos três até aqui editados, já esperava encontrar a notícia de que algum outro está em produção. Mas talvez não seja o caso de ser tão açodado. Um escritor pode se aborrecer com personagens que teimam em roubar tempo e atenção. Estes três volumes foram lançados em menos de um ano, parecem ter sido escritos simultaneamente até. De qualquer forma a guerra civil factual ainda seguirá violenta e dura por mais um ano e meio, até abril de 1939. E depois dela haverão os horrores da segunda grande guerra, os anos da ditadura de Franco, e os da redemocratização espanhola. Falcó, que tem pouco mais de 35 anos neste volume poderia ser testemunha disto tudo. Será que Pérez-Reverte dará vida longa a seu personagem, o fará continuar suas aventuras? Logo veremos. Vale! 
Registro #1341 (romance #352) 
[início: 17/10/2018 - fim: 21/10/2018]
"Sabotaje", Arturo Pérez-Reverte, Barcelona: Alfaguara / Penguin Random House Grupo Editorial, 1a. edição (2018), capa-dura 16x24,5 cm., 373 págs., ISBN: 978-84-204-3245-8

2 comentários:

Paulo Rafael disse...

É necessário ler os primeiros volumes para compreender este?

Aguinaldo Medici Severino disse...

Dá para ler Paulo, mas algo do clima se perde. Eu começaria pelo primeiro. Abraço.