sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

com borges

Nesse pequeno livro Alberto Manguel conta algo sobre os dias em que foi um dos leitores de Borges, um daqueles afortunados que puderam privar horas de proximidade com ele. Manguel era jovem, tinha pouco mais de dezesseis anos em 1964 e trabalhava em uma livraria de Buenos Aires. Borges, já cego naquela época, frequentador da livraria, perguntou-lhe um dia se teria tempo livre para ler para ele à noite. Os encontros foram intermitentes, duraram de 1964 e 1968, algumas vezes por semana. Manguel não era o único dos leitores noturnos de Borges, vários outros indivíduos tiveram em algum momento esta função. De qualquer forma  a experiência de conviver com Borges marcou o jovem Manguel, que tornou-se afinal também ele um escritor, alguém que sobretudo escreve e fala de livros, de bibliotecas, de escritores, do gênio humano que se plasma nos livros. Assim, em "Com Borges", o leitor encontra descrições dos encontros, de como Manguel era recebido na casa habitada por Borges, sua mãe nonagenária e uma empregada. Ele fala de seu perene assombro com a memória e a riqueza que brotava dos comentários feitos por seu empregador. Não havia projetos, planos de leitura ou ordem. A cada noite, dependendo do humor do dia, Borges pedia que se lesse um de seus autores favoritos, sobretudo aqueles que aprendeu a amar ainda jovem, quando estudava em Genebra, na Suiça: Kipling, Heine, Virgilio, De Quincey, Novalis, Kafka, Platão, Cioram, Shakespeare. Manguel diz não ter feito naquela época anotações dos encontros, apesar das sugestões de uma tia. O livro alterna dois tipos de registro. Uns em terceira pessoa, outros em primeira pessoa, algo confessionais, como se ele emulasse fragmentos de memórias daqueles dias, mas sabemos que se trata de invenção. Cabe lembrar que Manguel escreveu esse curto ensaio quando tinha já 56 anos. Há passagens líricas e outras divertidas, comentários sobre convenções sociais e a personalidade das pessoas. Borges não tinha paciência com a burrice e fugia de gente obtusa, confiava no acaso dos ordenamentos dos livros nas bibliotecas. Em algum momento Manguel registra aquele que talvez seja um dos maiores ensinamentos de Borges, sempre repetido em seus livros, que felizmente aprendi já há tantos anos: É nosso dever moral sermos felizes e a felicidade pode sim ser encontrada nos livros. Belo livro. Vale!
Registro #1356 (perfis e relatos #86)
[início 10/12/2018 - fim: 11/12/2018]
"Com Borges", Alberto Manguel, tradução de Priscila Catão, Belo Horizonte: Editora Âyiné (coleção Das Andere #03), 1a. edição (2018), brochura 12x18 cm., 72 págs., ISBN: 978-85-92649-31-9 [edição original: With Borges (Madison: Thomas Allen Publishers / University of Wisconsin) 2004]

Nenhum comentário: