Há livros que compramos e que ficam nos guardados, nos acompanhando de longe, anos a fio, antes que seja possível nos dedicarmos verdadeiramente a eles. Comprei esse volume em uma da viagens que fiz a Barcelona para ver Helga e Natália, tempos atrás, há pelo menos um lustro, cinco anos, diria um espanhol com mais facilidade do que nós, mas que existe no léxico português e também funciona bem. Trata-se de um registro produzido em 2004 em homenagem aos 75 anos de um restaurante que fez história em Barcelona, o "Orotava", mas que logo depois deixaria de funcionar. Fundado em 1929, em seu apogeu foi respeitado tanto pela gastronomia quanto por ser um local de encanto, de encontros, de arte, de tertúlias memoráveis. Era ponto de encontro de escritores e artistas plásticos e seu proprietário, José Maria Luna, era um entusiasta das artes plásticas e tornou seu restaurante uma espécie de galeria informal. Durante o período da ditadura franquista o restaurante foi obrigado a mudar de nome (chamou-se El Hostalillo, pois o catalão estava proibido oficialmente). Em 1979, novamente com sua denominação original, já na redemocratização espanhola e para os festejos do cinquentenário do restaurante, seus proprietários produziram um livro arte, uma espécie de catálogo ilustrado de seu famoso cardápio. Não se tratavam de ilustrações ordinárias, comuns, e sim obras de arte produzidas especialmente para a ocasião, obras de artistas identificados com a Catalunha naquela época, como Llorens Artigas, Salvador Dalí, Jorge Castillo, Josep Maria Subirachs, Eduardo Arroyo, Salvador Espriu, Modest Cuixat, Montserrat Guriol, Pablo Picasso, Joan Tharrats, Alfonso Pérez Esquivel, Antoni Clavé, Riera Aragó, Antoní Tápies, Oswaldo Guayasamín, Xavier Corberó, Josep Guinovart, Eduardo Chillida, Antonio Vives Fierro, Ràfols Casamada, Joan Miró, Amélia Riera e Benjamín Palencia. Miró produziu também um mosaico, que ainda pode ser visto na fachada do prédio número 335 da carrer Consell de Cent. O livro arte de 1979 foi organizado por Manuel Vázquez Montalbán, um dos grandes escritores catalães do século passado. O livro de 2004 inclui fac-símiles daquele livro arte original, dezenas de fotografias, assinadas por Toni Catany, e vários textos curtos, produzidos por antigos frequentadores do restaurante. O longo texto de Montalbán se destaca. Segundo os editores trata-se do último texto produzido por ele, que morreu no final de 2003, na Tailândia, antes de ver o livro impresso. Os demais textos incluídos no livro também tem seu encanto. Pois o Orotava encerrou suas atividades em 2005 e as centenas de obras de artes e antiguidades reunidas nele foram leiloadas. Restou esse belo livro que guarda algo da magia que devia acontecer todas as noites em seus salões. Curiosamente o volume que comprei contém uma dedicatória do próprio José Maria Luna, endereçada a Joan Laporta, antigo presidente do Barcelona. Pelo jeito as palavras gentis de Luna na dedicatória, "amb tot el meu reconixement i afecte", não encontraram em Laporta o devido acolhimento. Sorte a minha. Como registrei no último livro que incluí no "Livros que eu li" em 2018, um ano sem voltar a Espanha é um ano perdido, ainda mais se Barcelona, a bela feiticeira do Mediterrâneo, não estiver no roteiro de viagem. Começo assim, com um livro dedicado à Barcelona, minha jornada pelos livros em 2019. Vale!
Registro #1355 (perfis e relatos #85)[início: 01/06/2018 - fim: 25/11/2018]
"Las cuevas del Orotava: 75 anos de buen comer en Cataluña", Manuel Vázquez Montalbán, Barcelona: Editora Planeta, 1a. edição (2004), capa-dura 30x30 cm, 351 págs. ISBN: 978-84-08-05510-0
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