Neste funesto 2018 fiquei quase sempre dividido entre seguir o ensinamento de Archilochus, que sugere ferirmos duramente os indivíduos que nos ferem, ou aceitar o estoicismo que brota das reflexões de Proust, quando ele fala da eficácia efêmera do desgosto. Li como um demônio neste ano terrível, neste ano aborrecido e previsível, neste país onde só floresce, entranha e reina a estupidez. Se fiz só 104 registros de leitura foi por absoluto cansaço, aquele cansaço do Pessoa, supremíssimo cansaço. Fiquei meses sem resenhar, apenas lendo, com método, alheio a quase tudo. Deixei pelo menos uns 20 livros lidos para registrar no ano que vem. Vamos a ver se coloco a casa em ordem durante as férias. Bueno. Não cumpri nenhuma das promessas literárias de 2017 (reler o Cervantes, terminar o Tristram Shandy, voltar aos gregos, etc e tal). Mas fiz desvios felizes, encontrei bons veios literários, variados títulos. Neste ano produzi registros de 24 romances, 18 volumes de crônicas ou ensaios, 15 de contos, 11 de poesia, 10 romances policiais, 6 de arte, 6 novelas gráficas e 14 outros divertimentos. A boa surpresa foi ter lido 10 livrinhos da editora Âyiné. Li também minha boa cota de 20 livros em espanhol, aproximadamente 20% do total, mas apenas um livro em inglês, um bom e fundamental Coetzee, apenas um. Li 9 livros da Donna Leon e bons livros de poesias (Ficowski, Britto, Andresen, Tranströmer, Aleixo, Hilst, Portella, Nooteboom, Moura, Medeiros e a Lira Argenta organizada pelo Mendonça. Tive uns assombros, umas surpresas: Botelho, Czekster, Tavares, Nogy, Musil, Krause, Nei Lopes, Brasiliense. Reencontrei o Nooteboom, sempre fundamental, o genial Javier Marías, o Camilleri, o Pellanda, o Modiano, o Vargas Llosa, o Pérez-Reverte, o Vila-Matas. Tive a alegria de ver o grande livro do Abdon Grilo ser publicado (peça fundamental para entender algo sobre o Ulysses, de James Joyce). Depois de anos Ulysses mais uma vez fez-se ao mar. Evoé Abdon, Evoé. A média histórica de leitura segue estabilizada. Nos doze anos do blog foram lidos cerca de 113 por ano, mais de 9 por mês, 2 por semana, um terço de livro por dia. Já há 1354 registros de leitura no "Livros que eu li" (desde janeiro de 2007). Resumidamente posso dizer que são 793 de ficção (romances, novelas, contos, poesia e peças de teatro); 338 de não ficção (ensaios, crônicas, biografias, perfis, didáticos e catálogos de arte) e 223 de divertimentos variados, absolutamente inclassificáveis, mas sempre prazerosos. Esse foi um ano sem prêmio Nobel de literatura, em que a aventura febril das livrarias Saraiva e Cultura as fez quase falirem, em que fiz boas viagens pelo Brasil para as avaliações do MEC, de uma copa do mundo de futebol discretíssima. Ano em que fomos, Helga e eu, a Buenos Aires, e vimos doña Natália Diacoyannis formar-se, para logo tatear outros mundos. E viva Naty! Foi o ano da morte do Bourdain, do Schlee e do Cony; do Hamburger, do Videira e da Elisa Frota-Pessoa, três grandes físicos. Já se passaram dois anos da morte de doña Vic e um do primeiro e verdadeiro Guina. Sei que lerei minha boa cota de livros em 2019, mas não farei planos desta vez. Sei que eles vão me encontrar por aí, brotar dos guardados, fazerem-se lembrados por uma epifania qualquer, como sempre acontece. Sei também que os escravos mentais e a turma do Alzheimer moral certamente continuarão a tentar me incomodar, mas Humphrey Bogart já me ensinou que não se deve perder tempo desprezando alguém, basta esquecê-los, mantê-los por profilaxia bem distantes. Bueno. É quase hora de fazer-se ao mar de 2019. Já é tempo. Thalatta! Thalatta!
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5 comentários:
Adoro suas resenhas! Sai do Facebook, mas continuo acompanhando aqui no Livros que li.
Abraço grande para você e doña Helga ( saudades da Escolinha de Artes do Brasil, RJ).
Feliz 2019!
Caro Guina! Que delícia de balanço! Esse texto fecha com aquele grau de satisfação que todo bom leitor anseia. Passa a febril e vivaz certeza de que há alento na vida pela literatura, principalmente dos tempos tenebrosos em que ora vivemos. Ps: faltou citar os desaparecimentos de Roth e Oz. Prossigamos em 2019. Evoé!
Cristina querida. Beijo grande. Noutro dia a Helga falou da escolinha e do grupo de vocês, de como seria bacana um reencontro. Tudo de bom. Feliz 2019.
Paulo meu caro. Me pegou no flagra. Esqueci mesmo do Oz e do Roth. Tenho lido tuas coisas também. Vamos a ver o que 2019 nos reserva. Tudo de bom para ti e teu pessoal.
Bacana!
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