Nesse pequeno livro estão reunidos três ensaios curtos de V.S. Naipaul, prêmio Nobel de literatura de 2001. Um dos ensaios corresponde ao discurso de aceitação do premio Nobel (Two Worlds), outro foi produzido por encomenda, em homenagem a um amigo de Naipaul, Charles Douglas-Home (Ler e escrever). O terceiro ensaio não está identificado na edição, mas encontrei nos francos domínios da internet que à exemplo do anterior foi publicado em uma edição de 1999 do "The New York Review of Books" (The Writer in India). Pois no ensaio que dá nome ao livro, Ler e escrever, Naipaul apresenta uma biografia sintética, fala de sua história de vida, de como tornou-se escritor, sobre o processo de sua educação e emancipação familiar, suas primeiras viagens e o impacto da recepção de seus primeiros livros publicados. Naipaul nasceu em Trinidad, quando essa ilha do Caribe era possessão do império britânico, em uma família de imigrantes hindus. Posteriormente emigrou para a Inglaterra e lá viveu até sua morte, em agosto deste funesto 2018. Apesar do autobiográfico, com menções sobre a influência literária de seu pai, que ambicionava tornar-se escritor ao tentar contar algo de seu passado na Índia, Naipaul fala objetivamente de seu oficio, do processo de invenção de suas primeiras histórias, de sua busca de uma voz literária que fosse potente o suficiente para criar algo genuinamente humano, fala das metamorfoses que todo escritor precisa experimentar para manter-se honesto, criativo e forte. O segundo ensaio, O escritor na Índia, continua o anterior e trata de um segundo momento de sua carreira literária, Naipaul quer conhecer algo de seu passado, à exemplo do pai. Parte em longas viagens pelas cidades e regiões anteriormente dominadas pelo império britânico que tinham relação com sua vida. Trata-se de um olhar para o passado, o passado da Índia colonial, da estranheza entre hindus e muçulmanos, mas ele fala da particular força da forma romance, único gênero que é potente o suficiente para explicar os homens contemporâneos. Fala também sobre o poder do cinema em sua formação literária, na forma como ele aprendeu a criar narrativas. O terceiro e último texto corresponde ao discurso de aceitação do prêmio Nobel. É uma peça devidamente solene, mas um discreto bom humor aparece nas entrelinhas. Ele usa idéias originais de Proust sobre o oficio da escrita para explicar suas escolhas literárias, fala que um escritor necessariamente só pode escrever sobre algo que conheça muito bem, ou que tenha produzido impactos psicológicos e até físicos importantes. Escrever superficialmente é caminho seguro para o fracasso. "Para cada tipo de experiência existe uma forma literária adequada", diz ele. Perto do final do discurso, que louva os caminhos de entendimento do tempo alcançados por Proust (que ele contrasta com a quebra de seu relógio de pulso), Naipaul fala dos perigos que o uso literário/jornalístico de fórmulas e jargões acaba transformando questões importantes e reais da vida das pessoas em abstrações, em conceitos inúteis, fazendo com que as pessoas passem a não ter causas propriamente, mas sim apenas inimigos. Há uma solene sabedoria nestas palavras. Ao terminar o pequeno livro lembrei da Sibele e da viagem que ela fez para a Índia, com um de seus filhos adolescentes, que havia escolhido como presente de 15 anos conhecer o continente indiano. De ter sido uma experiência dos diabos. Grande Sibele. Vale!
Registro #1345 (crônicas e ensaios #236)[início 17/10/2018 - fim: 20/10/2018]
"Ler e escrever", V.S. Naipaul, tradução de Rogério Galindo e Sandra Martha Dolinsky, Belo Horizonte: Editora Âyiné (coleção Biblioteca Antagonista #24), 1a. edição (2017), brochura 12x18 cm., 124 págs., ISBN: 978-85-92649-29-6 [edição original: "Reading and Writing - a personal account" e " The Writer and India (New York: The New York Review of Books) 1999 / "Two Words" - Acceptance Speech 'The Nobel prizes, editor Wilhelm Odelbert (Stockholm: Nobel Foundation) 2001 ]
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