sábado, 15 de dezembro de 2018

uma mensagem para o século xxi

Se há uma coisa que Isaiah Berlin nos ensina é que um indivíduo que estude algum assunto e pretende produzir reflexões sobre esse assunto necessariamente precisa ser honesto intelectualmente. Não com os demais, os leitores, mas honesto consigo mesmo. Os dogmas, as utopias e distopias autoinduzidas, a escravidão mental, não ajudam ninguém a entender verdadeiramente o quê é o ser humano. O leitor encontra no volume dois ensaios curtos. No primeiro, The Pursuit of the Ideal, Berlin fala de sua biografia, de sua jornada pelo mundo do conhecimento. Sua curiosidade intelectual levou-o ao estudo da variabilidade das idéias sobre as visões de mundo que incorporam valores (valores como a descoberta da verdade, os objetivos e razões que justificam as ações humanas, a evolução e a essência da ética aplica a sociedade). Berlin fala de crenças humanas que mostraram-se limitadas: a de que havia soluções para os problemas humanos através da aplicação de métodos racionais, que a essência de cada sociedade pudesse ser transformada, fala do ideal platônico (a de que todas as perguntas genuínas deveriam ter uma única resposta verdadeira), do sonho da razão, da noção de progresso. Depois falar dos gregos também fala de Maquiavel, de Vico, de Herder, entre tantos outros, autores que articulam pensamentos que progressivamente demonstram a incompatibilidade entre valores de distintas culturas e entre distintos momentos históricos. Há uma pluralidade de valores tão grande quanto o há de civilizações ele diz, mas é possível entender racionalmente os valores de outras culturas e até respeitá-los. Valores necessariamente devem ser entendidos para que seja possível a comunicação. Enfim, os valores podem ser verdadeiros porém incompatíveis, não existe equanimidade automática entre eles. De fato o choque entre valores e a essência deles é a nossa própria essência como homo sapiens. Cada escolha implica em perdas. Objeções intelectuais a uma ideia de perfeição são exaustivas, mas há objeções psicológicas que são ainda mais limitantes. Uma solução nova pode gerar problemas novos, ainda maiores. O otimismo metafísico dos marxistas é injustificável, incoerente, impraticável. O futuro não nos sorri automaticamente ou por nosso desejo, diz ele (invertendo o aforismo do Manifesto Comunista). A fé cega em totalitarismos só produziu uma montanha de cadáveres, mas há aqueles que parecem padeçer de uma espécie de Alzheimer moral que os impede de enxergar e aceitar a responsabilidade dos regimes totalitários por essa sempre crescente montanha de cadáveres (e há até aqueles que os justifique, como se tortura de esquerda, por exemplo, não produzisse desconforto físico e morte). Claro, ele lembra do necessário processo de adestramento que devemos ter para - como por exemplo, no caso da luta contra o nazismo ou qualquer outra ditadura - nos tornar profetas armados e praticar o mal. Igualmente forte é sua denúncia dos altares abstratos onde são sacrificados milhões de seres humanos, altares totalitários que só produziram agonia e morte. Apesar do tom pessimista, ele verdadeiramente acredita na capacidade humana de aprender (desde que seja honesta consigo mesmo). O segundo texto, A Message to the Twenty-First Century, é uma ode ao futuro. Berlin, nascido em 1909, homem que experimentou quase tudo na vida ao longo do século XX lamenta não poder conhecer dos espantos que certamente o século XXI produziria. Neste texto faz-se um balanço do século XX. Para ele duas coisas o marcaram especialmente. Ele louva os avanços da tecnologia, da técnica, das Ciências Naturais e condena o mundo que desdobrou-se a partir da Revolução Soviética de 1917. A sombra da tirania e da morte que seguiu se ao exercício do socialismo na União Soviética marcou indelevelmente o século. Países inteiros, tiranetes de infinitos matizes, gerações de militantes que mais parecem escravos mentais, reproduziram e justificaram toda a sorte de assassinatos e violência. Liberdade e busca da felicidade nem sempre podem ser simultaneamente alcançadas. Todavia, mesmo confessando-se um pessimista profissional há tantas décadas, acredita que devemos ser otimistas com as possibilidades do alvorecer do novo século, não apenas com devido as novas tecnologias, mas também por conta dos avanços no pensamento gerado nas áreas humanas. Livro importante e seminal. Eu, mais pessimista que ele penso que o pobre homem talvez não estivesse preparado para a  legião de escravos mentais que povoariam esse planeta.nos vinte anos que já se passaram desde sua morte (em 1997). Paciência. Vale!
Registro #1346 (crônicas e ensaios #237)
[início 01/10/2018 - fim: 31/10/2018]
"Uma mensagem para o Século XXI", Isaiah Berlin, tradução de Pedro Fonseca, Belo Horizonte: Editora Âyiné (coleção Biblioteca Antagonista #01), 1a. edição (2016), brochura 12x18 cm., 72 págs., ISBN: 978-85-92649-01-29-6 [edição original: A Message to the Twenty-First Century e On the Pursuit of the Ideal (New York: The New York Review of Books) 1988 e 1994]

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