Hoje se comemora o Bloomsday, evento internacional que celebra a
obra do escritor irlandês James Joyce, autor do “Ulysses”, publicado em 1922. O
elo comum entre os simpatizantes envolvidos nestas comemorações é o esforço por
relembrar os acontecimentos das 18 horas vividas pelos personagens do
"Ulysses" no dia 16 de junho de 1904. O Bloomsday é comemorado em
dezenas de países, pelo menos desde 1954. O Bloomsday Santa Maria, desde
1994, é o segundo
mais antigo evento desta natureza realizado no Brasil. O
objetivo principal do Bloomsday é a "promoção e a divulgação de James
Joyce em ambiente não acadêmico", através de leituras de sua poesia e
prosa, exibição de filmes, debates, exposições artísticas e discussão sobre
aspectos culturais e literários do “Ulysses” e das demais obras de Joyce. Qual não foi minha alegria quando um dia conheci Abdon
Franklin de Meiroz Grilo e soube que ele mantinha um blog com notas de apoio a leitura do "Ulysses". Anos depois ele transformou esse blog em um livro, um portento, fazendo-me um convite honroso, dando-me o privilégio de
escrever uma apresentação a seu belo “Ulisses Um estudo”. Apesar de
ficar comovido pela deferência sei que minha missão é simples, pois ao
percorrer as páginas deste livro o leitor descobrirá que tem em mãos uma
contribuição das mais originais, relevantes e úteis da bibliografia
especializada em português sobre o “Ulisses”, de James Joyce. Abdon
Grilo nasceu em Natal, no Rio Grande do Norte, em 1935, mas por força de seu
ofício (ele é médico e militar), viveu longos períodos em várias cidades
brasileiras. Está radicado em Santa Maria há quase trinta anos. Pai de três
filhas e avô de seis netos, ele sempre cultivou três paixões: os livros, as
relações interpessoais e a História. Essas paixões, aliadas à sua curiosidade
natural, fez com que ele sempre estivesse a estudar e acumular conhecimento
(além de formado em Medicina, ele cursou também História e Teologia, e foi
licenciado em Filosofia). Sua
familiaridade com o Ulisses é antiga. Foi por meio de um artigo na “Revista Manchete” que foi despertado
para o livro, no início dos anos 1970, quando morava em Santa Catarina.
Conseguiu num sebo na Rua da Carioca, durante uma viajem ao Rio de Janeiro, um
exemplar da tradução pioneira, a de Antônio Houaiss, publicada em 1966. Esse
exemplar foi dado de presente para uma amiga, no início dos anos 1990 para
incentivar a leitura de Joyce, com anotações suas em algumas páginas. Essa intenção
de criar leitores não foi um episódio isolado, nesta mesma época Abdon presenteou
com a tradução de Houaiss um seu fraterno amigo, professor da Universidade
Federal de Santa Maria, e com outra tradução, a de Bernardina Pinheiro, a um
seu genro. Em 2005, ao saber de uma nova tradução do Ulisses, feita por
Bernardina Pinheiro, Abdon tornou a ler o livro. As notas de leitura incluídas
nesta tradução o inspiraram a produzir algo parecido. Mas, segundo suas
palavras, ele foi adiante do trabalho de Bernardina, passando a fazer um
registro pessoal das diferenças entre as duas traduções. Posteriormente, em
2012, repetiu o processo de ler uma nova tradução, a de Caetano Galindo,
terceira em português do Brasil, e continuou a fazer e registrar suas
comparações entre elas. Ajudado por uma sobrinha, Isabel, conseguiu digitalizar
todo o material que havia produzido até então e disponibilizou-o ao público. Lembro-me
quando, por sugestão de um amigo nosso em comum, já no final de 2013, experimentei
o espanto de conhecer a versão original de seu blog dedicado ao Ulisses
(http://ulissesjoyce.wordpress.com).
Percebi que se tratava de um trabalho original, minucioso. Abdon comenta
sobretudo as traduções dos muitos termos em hebraico, grego e latim, idiomas
que conhece bem. Ele compara também as soluções encontradas pelos três
tradutores brasileiros do livro de várias citações e jogos de palavras, aponta nelas
certos equívocos e contradições, bem como a origem das passagens mais
enigmáticas e o acerto ou não das menções à cultura hebraica, principalmente no
caso das datas festivas. Foi só alguns meses após este encontro virtual, já
próximo ao Bloomsday de 2014, que conseguimos marcar um encontro e nos
apresentar formalmente. Aí sim tivemos a chance de conversar sobre a
sistematização de seu trabalho, sobre o Ulisses e sobre James Joyce.
Fiquei ainda mais impressionado quando ele me disse que desconhecia a existência
de trabalhos similares ao dele em língua inglesa. Falei-lhe do Don Gifford, do
Weldon Thorton e do Stuart Gilbert, mas ele nunca havia consultado esses
autores. Emprestei-os para que ele os consultasse e, entusiasmado, incentivei-o
a produzir uma versão em livro. A partir desta época nossos encontros
tornaram-se um hábito feliz (e não só de Joyce, Ulisses e literatura
falamos). Cada encontro sempre foi uma renovada oportunidade que me foi dada de
aprender algo das múltiplas facetas deste senhor sempre elétrico, definitivamente
um legítimo “Grilo falante de Goianinha”,
como o apelidou, um dia distante em 1946, Monteiro Lobato, então a prolongar
seu exílio em Buenos Aires, na dedicatória que fez em um livro presenteado ao
um Abdon ainda criança, mas já irrequieto e leitor sistemático. Enfim,
após meses revisando cuidadosamente todos os verbetes do blog, episódio
a episódio do livro, cotejando as três traduções para o português, polindo seu
trabalho, com paciência, zelo e atenção, Abdon chegou a um resultado final, que
é o livro que agora o leitor tem nas mãos. “Ulisses Um estudo” saberá
defender-se sozinho. Nas muitas oportunidades em que tivemos de conversar sobre
seu trabalho, Abdon, modesto, afirma que seu livro não tem a pretensão de
interpretar Ulisses, como o professor Caetano Galindo magistralmente o
fez ano passado em “Sim, Eu Digo Sim – Uma Visita ao ‘Ulisses’ de JamesJoyce”, publicado pela Companhia das Letras. Ele reitera sempre que apenas
cometeu anotações de apoio à leitura, que instrumentalizam o leitor a construir
sua própria interpretação. Um insone leitor ideal, aquele imaginado e desejado
por Joyce, ou seja, todo verdadeiro leitor joyceano, não poderia esperar mais
que esse cuidado. Evoé, Abdon, evoé! Vale!
Registro #1266 (crônicas e ensaios #226)
[início: 02/02/2018 - fim: 16/08/2018]
"Ulisses: um estudo", Abdon Franklin de Meiroz Grilo, Santa Maria: Editora Rio das Letras, brochura 21x28 cm., 736 págs., 2018, ISBN: 978-85-65172-47-9
Registro #1266 (crônicas e ensaios #226)
[início: 02/02/2018 - fim: 16/08/2018]
"Ulisses: um estudo", Abdon Franklin de Meiroz Grilo, Santa Maria: Editora Rio das Letras, brochura 21x28 cm., 736 págs., 2018, ISBN: 978-85-65172-47-9
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