Nos dez contos curtos reunidos em "Quebrantos e sortilégios" somos apresentados por Ivo Bender a mundos de sonho, de fábula, de cinema antigo, nos quais o tempo flui nos dois sentidos e nem sempre é contínuo, onde vidas são como que miradas por meio de uma lente difusa, cuja opacidade nos impede de compreender a realidade das coisas. Lado a lado de fragmentos de citações que denunciam uma refinada erudição, trechos cifrados de mitologias, símbolos e histórias antigas, encontramos cenas de um gótico interior gaúcho, registros do cotidiano e do hábito dos emigrantes alemães e do impacto das migrações deles, do campo para a cidade, acontecidas sobretudo nos anos 1950 e 1960. "Quebranto", que dá nome ao volume, parece recontar o mito de Tirésias, que foi cego e viu mais que todos os gregos, que foi homem e mulher; "O general e suas mulheres" fala de como é justiçado um velho general torturador; Em "Jonas, Mauro e Horacina" dois velhos amigos experimentam uma paixão tardia por uma atriz mambembe; "Os caminhos de Corina" lembra muito aquele clima lírico e trágico que Fellini sabia mesclar, sobretudo em "Noites de Cabíria"; "O bosque encantado" é um conto de fadas sobre um rapazote de origem alemã e as três bruxas que ele encontra; em "As filhas de Teobaldo", outro conto de fadas, se fala das metamorfoses dos sétimos filhos dos sétimos filhos; "A fugitiva" fala das circunstâncias do exílio de uma cantora lírica no Brsil; "A deusa de Arthur" brinca com o amor de um rapaz por Marilyn Monroe; "O graxain" funde o mito de Acteon com o golpe militar de 1964; "Ramiro Escobar e Salamanca" trata da tragédia de um velho senhor que perde tudo ao viver o sonho que sua babá havia lhe contado na infância. Ivo Bender alcança criar mundos que prendem o leitor às narrativas, enfeitiçados como seus personagens pela beleza barroca, botânica, visceral das coisas. Pena só ter conhecido suas invenções apenas agora. Vale!
Registro #1267 (contos #146)
[início: 28/02/2018 - fim: 03/03/2018]
"Quebrantos e sortilégios", Ivo Bender, Porto Alegre: Terceiro Selo,
1a. edição (2015), brochura 14x21 cm., 128 págs., ISBN:
978-85-68076-15-6
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