terça-feira, 19 de junho de 2018

late essays: 2006-2017

Somente em Javier Marías encontro a capacidade de síntese e reflexão equilibrada, de estilística e generosas surpresas, de associações felizes e erudição absurda, completa, que são a norma dos textos de J.M. Coetzee. Nesse "Late essays: 2006-2017" estão reunidos seus ensaios mais recentes, 23 deles, produzidos após sua imigração definitiva para a Austrália e adoção de sua nova nacionalidade (lamentavelmente a África do Sul tornara-se demasiado tóxica para ele neste conturbado inicio de século). Não se trata de material inédito. Alguns ensaios foram publicados ao menos em uma versão abreviada na revista americana "New York Review of Books", outros publicados na forma de introdução a reedições de livros clássicos. O interesse manifesto nos ensaios quase sempre é o entendimento de uma obra especifica de um autor, mas há também analises do conjunto da obra de alguns. Coetzee reiterou um ensinamento dele que já havia percebido em seus demais livros de critica ("Inner workings", "Costas estrañas" e "Ensayos selectos"): preocupar-se com eventuais "spoilers" ao falar de uma obra é totalmente dispensável, uma perda de tempo, um zelo derivado e danoso desses tempos onde a obsessão com o politicamente correto como que nos tornou voluntariamente limitados. Ele analisa objetivamente tanto a narrativa ficcional, a invenção, quanto as motivações dos autores delas; avalia simultaneamente as intenções e os resultados alcançados pelos autores; especula sobre a verossimilhança dos personagens e as técnicas narrativas utilizadas; não tem paciência e nem oferece perdão a bizarrices autobiográficas, afeitas aos ditames em moda na sociedade e no mercado literário. Quando ele fala da vida dos autores o faz panoramicamente, não se atendo a fofocas ou a detalhes bobos sobre o comportamento e a psique dos sujeitos que analisa. Em geral ele aparenta ter lido tudo a respeito dos autores que investiga, como zeloso acadêmico que é (ele não parou de dar aulas e publicar artigos mesmo após ter ganho o financeiramente importante prêmio Nobel em 2003). Coetzee nunca fica preso a causos engraçados. Ele enfatiza em suas analises aspectos filosóficos, políticos, históricos relacionados as obras, sempre de forma fundamentada, factual. Enfim, mais que crítica literária o que encontramos aqui são aulas magnas de um professor experiente, um sábio que quase nos enfurece com seu absoluto domínio da matéria. Quando aponta as falhas específicas de cada livro ou autor que analisa, Coetzee oferece também indicações de como deve  preparar-se para seu ofício um sujeito que tenha a pretensão de tornar-se um bom escritor. Coetzee fala de Daniel Defoe, Nahaniel Hawthorne, Ford Madox Ford, Philip Roth, Goethe, Heinrich von Kleist, Flaubert, Irène Némirovsky, Juan Ramón Jiménez, Antonio Di Benedetto, Tolstoy, Zbigniew Herbert, Beckett, Patrick White, Les Murray, Gerald Murnane e Hendrik Witbooi, ou seja, não há espaço para cotas politicamente corretas e pruridos pós-colonialistas em suas escolhas, em seus objetos de crítica. Está certo ele, claro. Vale! 
Registro #1268 (crônicas e ensaios #227) 
[início: 22/04/2018 - fim: 15/05/2018]
"Late Essays: 2006-2017", J.M. Coetzee, New York: Viking Press (Penguin Randon House LLC), 1a. edição (2017), capa-dura 14,5x22 cm., 297 págs., ISBN: 978-0-73522-391-2

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