sexta-feira, 6 de julho de 2018

ojo de monje

Nos meses em que vagabundo me abstive de registrar sobre o que lia encontrei muitos livros de poesia. Um deles em particular é por demais poderoso para que eu o lesse sem muito refletir, sem atenção e cuidado, por isso mesmo demorei bons meses para finalizá-lo (se é que se pode dizer que terminamos um livro de poesias, já que elas ficam ecoando em nós, profundamente). Cees Nooteboom é o sujeito que não canso de recomendar, que produz ensaios belíssimos (quase sempre sobre a dupla e bifronte arte de viver e desgraça de sobreviver nestes tempos bicudos). Ele é também poeta (já registrei aqui dele a antologia "Luz por todas as partes" e o volume "autorretrato do otro"). "Ojo de monje" é um conjunto de 33 poemas. A forma poética deles é fixa: três estrofes de quatro versos e uma quarta estrofe com um único verso. Na dedicatória - a Remco Campert, também ele escritor holandês quase nonagenário - Nooteboom diz: "las viejas amistades no se oxidan". Lembrei do Cohen e do Landgraf, do Melo e do Frank, do Péricles e do Oscar, do Sander, da Sibele. Ai de mim, grande vinagre. Os poemas são apresentados no original e impenetrável holandês lado a lado com o mais familiar para mim espanhol, muito embora eu não seja o mais versátil dos leitores do espanhol quando se trata de poesia e sim um sujeito que se esforça, se anima a aprender sempre algo novo.Do que falam os 33 poemas? Sabemos da história de Nooteboom, de sua eduçacão em colégios religiosos (franciscanos, agostinos), de sua curiosidade, de seus livros sobre Zurbarán, sobre El Bosco, sobre arte. Os símbolos são importantes para ele, sempre, como não. Há algo de breviário nos poemas, de livro de horas. As imagens são poderosas, o ritmo lento, as palavras ecoam sugerindo um mundo que termina, num crepúsculo pesado. A palavra "tenebrae", em latim, aparece várias vezes. É assim que se diz da missa da sexta feira santa, quando o Christo ainda está morto. Nooteboom fala também de uma ilha no mar Frísio, da mãe, dos amigos mortos, das viagens e das estrelas no céu, da vida calcificada nas conchas, da areia que pouco guarda registros da presença dos homens, sempre renovada pelas águas do mar, dos mestres gregos, sobretudo Sócrates em seu Fedro. Natureza e vida citadina se fundem. Você pode se afastar do mundo, abraçar o campo e a solidão de uma ilha, mas a realidade dos sujeitos que vivem na cidade irão te perseguir, como os cães perseguiram Actéon um dia. Somos todos como ele, por conta de vislumbrar a deusa, condenados a sermos dilacerados por nosso próprios cães. Tudo é metafórico e mítico na vida, tudo já foi escrito, pensado, vivido, experimentado. Como pode o velho poeta suportar o tédio disto tudo e seguir? Na semana passada don Daniel Dago me avisou que em outubro sairá um livro dele dedicado a Veneza. Saber que em dois ou três anos uma versão espanhola dele deverá ser publicada dá sentido a vida, justifica a espera, garante uma sonhadora vilegiatura. Vale!
Registro #1281 (poesia #94)
[início 23/03/2018 -  fim: 13/06/2018]
"Ojo de monje", Cees Nooteboom, Fernando García de la Banda, Madrid: Visor Libros (coleccíon Visor de Poesía), 1a. edição (2017), brochura 12,5x19,5 cm., 86 págs., ISBN: 978-84-9895-317-6 [edição original:  Monniksoog (Amsterdam: Uitgeverij Karaat) 2016]

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