quinta-feira, 26 de setembro de 2019

assombrações

De Domenico Starnone, italiano que é autor de mais de vinte romances, já havia lido o curioso "Laços", em 2017. "Assombrações" agradou-me menos, pois não me convenci muito com a ideia básica, com a provocação que o livro oferece. Um homem de meia idade, ilustrador que já teve seus melhores dias profissionais, viúvo e restabelecendo-se de uma cirurgia, é solicitado pela filha para cuidar de seu único neto, por uns poucos dias. Ele precisa se deslocar de Milão, onde vive há muitos anos, para sua Nápoles natal, lugar do qual não guarda boas recordações. A filha passa por uma crise conjugal, precisa ficar afastada dos compromissos domésticos para apresentar um trabalho acadêmico em um congresso (ela, o marido e talvez seu amante e chefe são matemáticos). Starnone apresenta ao leitor um conflito clássico, entre o novo e o velho, entre um sujeito e os fantasmas de seu passado. O ilustrador precisa terminar uma encomenda, a de um livro de Henry James, "The Jolly Corner", que trata justamente de um duplo, uma história de fantasmas (as assombrações do título), o retorno de um sujeito ao lugar onde nasceu e que provoca nele questionamentos sobre as escolhas que fez na vida. O personagem de Starnone confronta seus fantasmas pessoais na figura do neto, de quatro anos, que é singularmente inteligente e ativo, uma força da natureza encarnada. Todavia, a capacidade de fazer perguntas, que dá a criança ares de filósofo mirim, apenas esconde a simples repetição de falas e comportamentos dos pais, nuances que desconhece, não domina, só impressionando, superficialmente, aqueles que o veem pela primeira vez. Qualquer de nós que já teve a oportunidade de visitar casais com filhos pequenos teve experiências similares, que é a de ficar defronte pequenos tiranos, que visivelmente manipulam sem dó seus genitores, iludidos com a beleza especular dos atos e frases espirituosas ditas pelos filhos. Não vou estragar a leitura deste livro antecipando mais sobre o enredo. Há um capítulo final com a ilustrações e reflexões do personagem sobre seu embate com o neto (talvez seja a única parte do livro que realmente me agradou). Trata-se de um livro bom de ler, interessante, mas há muito de esquemático nele, um artificialismo que se foi bem lapidado pela linguagem, não alcança convencer o leitor que a sequência de eventos seja possível, mesmo para um velho senhor, curvado pelo fracasso e pela doença. Enfim, "Assombrações" pareceu-me cerebral demais, falso demais. Não é ruim, há autores que não alcançam registros assim, mas há cousas com mais estofo me aguardando (acho eu, que sempre me iludo). Vale! 
Registro #1451 (romance #365) 
[início: 31/07/2019 - fim: 14/08/2019]
"Assombrações", Domenico Starnone, tradução de Maurício Dantas Dias, São Paulo: Editora Todavia, 1a. edição (2018), brochura 14x21 cm, 184 págs. ISBN: 978-84-93828-34-8 [edição original: Scherzetto (Torino: Giulio Eunaudi Editore / Gruppo Mondadori) 2016]

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