quarta-feira, 4 de setembro de 2019

la muerte de jesús

Publicado há poucos meses, simultaneamente em inglês e em espanhol, "La muerte de Jesús" encerra a trilogia de J.M. Coetzee iniciada em 2013 com "A infância de Jesus" e continuada em 2016 com "The Schooldays of Jesus". Em "La muerte de Jesús" reencontramos David, Inês e Simón, a disfuncional sagrada família inventada por Coetzee, e seguimos com seus sucessos. Assim como nos demais volumes a trama não é exatamente o que importa, antes sim as reflexões que encontramos sobre cognição e linguagem, memória e vida em sociedade, relações familiares e competições esportivas, ciência e morte, capacidade de amar e destino. Não há uma única chave de leitura no livro. Há vezes em que penso este volume (e de resto toda a trilogia) como um conto de fadas contemporâneo, uma fábula amoral; noutras em um exercício  de entendimento de como funciona nossa mente, pobres homo sapiens, tão facilmente iludidos em nossa percepção da realidade, em nossos esforços por conhecer e aceitar verdades; noutras, ainda, como uma investigação sobre as possibilidades da ficção, de nossa habilidade de usar a literatura para construir mundos alternativos, utopias, espelhos de nossa pálida realidade. Ao contrário do que fiz durante a leitura do segundo volume da trilogia desta vez não submergi no emaranhado de associações e metáforas, de sugestões e possibilidades provocadas por Coetzee. Ao final deste seu admirável mundo novo, além da morte do protagonista, David, já denunciada no título, encontramos também a ascensão de eventuais proto religiões, de paganismos organizados, de cultos à personalidade, de liturgias à memória de David. É sempre difícil para nós matar um pai, matar um deus. Pouco importa. Gosto da ideia de pensar que o Jesús dos três títulos seja na verdade Cervantes, o autor de Don Quijote, livro preferido de David, o mais seminal dos inventores desta forma narrativa que nos assombra e encanta há quatro séculos. Estaríamos condenados todos a vagar como Don Quijotes mundo afora, iludindo-nos sempre? Vamos a ver o que o sempre provocante Coetzee inventará no futuro. Vale! 
Registro #1444 (romance #361) 
[início: 20/07/2019 - fim: 24/07/2019]
"La muerte de Jesús", J.M. Coetzee, tradução de Elena Marengo, Buenos Aires: El Hilo de Ariadna (Penguin Random House Grupo Editorial), 1a. edição (2019), brochura, 13,5x22,5 cm., 189 págs., ISBN: 978-84-397-3577-9 [edição original: The Death of Jesus (Melbourne, Australia: The text Publishing Company) 2019]

2 comentários:

Paulo Rafael disse...

Olá Guina, eu li o primeiro, nem fiz resenha, lembro que não gostei - ou não entendi. Talvez releia um dia. Abraços.

Aguinaldo Medici Severino disse...

Pois então Paulo. Os três livros são estranhos, cheios de alegorias, possibilitando um monte de associações. O cara tem imaginação, inegavelmente. Grande abraço