Logo depois de terminar "Confissão póstuma", de Marcellus Emants, comecei o, esse "Sobre pessoas velhas e coisas que passam...", de Louis Couperus. O livro foi publicado originalmente em 1906. Trata-se de uma história sobre segredos familiares e como carregamos o fardo de nossos atos até o fim da vida, mesmo escondendo-os sob camadas de mentiras, culpa ou isolamento. Por isto mesmo não posso contar muito da trama, para não roubar muito do prazer de um eventual leitor. Couperus, a bem da verdade, não esconde por muito tempo a gênese daquilo que provoca todos os desdobramentos do livro. Ele até repete-se várias vezes, faz seus personagens voltarem várias vezes àquele assunto, talvez tentando emular literariamente os diversos processos de nosso inconsciente envolvidos na negação, dos variados mecanismos de defesa de nossa economia psíquica. Charles Pauws, um escritor de quase quarenta anos, e Elly Takma, uma jovem de vinte e três, resolvem casar-se. Esta decisão afeta três mulheres chamadas Ottilie (a avó, a mãe e a irmã de Charles), assim como de mais três dezenas de personagens (tios, primos, amigos da família, agregados, empregados, a memória de gente já morta há décadas). O livro é dividido em duas partes, que funcionam como dois atos de um drama, que por sua vez são divididos mais ou menos esquematicamente em três cenas cada um. As cenas da primeira parte correspondem, respectivamente, a uns poucos meses antes do casamento de Charles e Elly, a véspera do enlace deles e uns dias depois, durante a viagem de lua de mel do casal. Por sua vez, as cenas da segunda parte correspondem a três períodos curtos que gravitam a morte de três personagens: a avó Ottilie, o vovô Takma e o velho médico Roelofsz. Além de descrever o arquétipo de uma família holandesa do início do século XX, Couperus trata das relações dos holandeses com seu passado colonial, de questões religiosas, da relação das pessoas com o dinheiro, do "sotaque" indonésio, das diferenças de temperamento entre o Norte e o Sul europeu, de nossa capacidade de amar, de como a vida de cada um de nós corresponde apenas a um fragmento, a uma dentre milhares de possibilidades, ao resultado de infinitos acasos, cousas inevitáveis, por mais racionais que possamos nos imaginar. Há uma discreta presença grega nesta história. Lembrei da trilogia malaia do Anthony Burgess, mas talvez esta seja apenas uma de minhas associações amalucadas. Em breve haverá Multatuli por aqui, e também alguma poesia holandesa, mais cousas dos filões de ouro puro e fino que brotam da lavra do Daniel Dago. Vale!
Registro #1457 (romance #368)
[início: 16/09/2019 - fim: 19/09/2019]
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