Nesse
volume Donna Leon está em seus domínios, fala de algo que conhece muito bem: o
mundo da ópera, do canto lírico, dos concertos. Ela retoma uma de suas primeiras
protagonistas, Flávia Petrelli, que aparece em seu romance de estreia, “Morteno teatro La Fenice”, de 1992, e também em “Acqua Alta”, de 1996, quinto
volume da série dedicada aos sucessos do comissário veneziano Guido Brunetti.
Assim como neste nosso calendário real, mais de vinte anos se passam nos
relógios imaginários dos personagens inventados por Donna Leon. Flávia Petrelli
volta a se apresentar no sonante Teatro La Fenice e volta a se envolver em um caso
de violência e assassinato. Petrelli é assediada por um fã, uma pessoa obcecada,
incapaz de controlar o misto de admiração e inveja que sente pela famosa
cantora lírica. Brunetti e seus comandados se unem na tarefa de proteger
Petrelli e entender motivação e método do perseguidor, ao mesmo tempo em que se
veem enredados na burocracia e ineficiência do governo italiano. Donna Leon
vergasta, uma vez mais e sem dó, o governo italiano (os próceres de plantão sempre
são igualmente venais, corruptos e limitados intelectualmente, pouco importa a
matriz ideológica que obedecem, a cartilha de comportamento que seguem - algo
muito parecido com que acontece neste desgraçado e inútil Brasil, terra de escravos
mentais e gente canalha). Alvise, um pacato policial subordinado a Brunetti é
falsamente acusado de violência contra civis, em uma manobra que busca
prejudicar exatamente Brunetti. Elettra, a secretária do vice-questore Patta, ao
solidarizar-se com Alvise, quase coloca tudo a perder ao envolver o comissário em
suas trapaças digitais. Donna Leon faz longas digressões neste volume,
aprendemos algo sobre Bochesse, o legista; Alvise, um policial; Patta, o vice-questore;
o conde Fallier, sogro de Brunetti. A Veneza dos primeiros volumes da série é
contrastada com a Veneza deste final de anos 2010. Trata-se de uma senhora que
envelhece mal, sufocada por legiões de turistas, gigantescos navios de
cruzeiro, batedores de carteira, políticos corruptos (um pleonasmo, já se
sabe). Donna Leon fala também do valor da amizade, e de como as múltiplas metamorfoses
vivenciadas pelos indivíduos ao longo do tempo podem até inverter o sentido e
razão desta palavra. Em “Sangre o amor”, Donna Leon emula vários
trechos da trama de Tosca, de Giacomo Puccini. Trata-se de um trabalho
admirável. O leitor ganha muito se ler o libreto de Tosca ou ouvir algumas de
suas famosas árias. Raramente um romance policial dela é fraco, mas este é
realmente muito bom, trezentas páginas vibrantes. Depois de ter lido o sofrível
“A última mulher”, de Alfredo Garcia-Roza, foi um alento encontrar neste
volume algo com estofo e engenho. Vamos em frente. Vale!
Registro #1456 (romance policial #90) [início: 19/08/2019 - fim: 27/08/2019]
"Sangre o amor" (Brunetti #24), Donna Leon, tradução de Maia Figueroa Evans, Barcelona: Editorial Seix Barral / Booket #2611 (Grupo Planeta Manuscrito),
1a. edição (2016), brochura 12,5x19 cm., 304 págs., ISBN:
978-84-322-2594-9 [edição original: Falling in Love (Zürick: Diogenes Verlag AG / Penguin Randon House Group) 2015]
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