domingo, 8 de dezembro de 2019

a morte e o meteoro

Uma imaginação feroz é marca de todos os romances de Joca Reiners Terron que já li ("Não há nada lá", de 2001; "Guia de ruas sem saída", de 2012; "A tristeza extraordinária do leopardo-das-neves", de 2013 e "Noite dentro da noite", de 2017). Seu curto e potente romance mais recente, "A morte e o meteoro", lembrou-me argumentos típicos de séries de ficção científica e mistério antigas, cousas como "Além da imaginação", dos anos 1960, ou Arquivo X, dos anos 1990. Claro, a ambição de Terron é maior, o produto que oferece ao leitor mais sofisticado e afeito ao jogo literário propriamente dito, tem estofo e é pertinente a nosso terrível início de século XXI. Seus narradores (um antropólogo mexicano, em um futuro próximo, e um dublê de antropólogo brasileiro, nos anos 1980) contam, em quatro curtos capítulos, sucessos que gravitam a história de uma tribo de indígenas da Amazônia profunda, os kaajapukugi, desde quando são contatados pela primeira vez por um deles, um sujeito chamado Boaventura, até seu extermínio ritual no exílio, no México. O futuro próximo que nos cabe, imaginado no livro, se não pode ser exato, é muito provável (todo bom escritor tem algo de de antena da raça, já nos ensinou o velho Erza). Os dois narradores de Terron  têm muito que os une, compartilham perdas e danos na vida pessoal, todavia também são muito diferentes, na idade, na ambição, na origem étnica e na formação acadêmica. O leitor é provocado a acompanhar a descrição de um mundo em que tudo viaja a um brutal fim da noite, tudo parece desmoronar, ser pulverizado: os indígenas e a floresta; as tradições e a cultura; a moral e a vida acadêmica; a possível vida em sociedade e a brutalidade vivida nas fronteiras; a memória e a tecnologia; e, até mesmo, o neo colonialismo que nos resta, o da exploração do espaço. Terron sabe encantar o leitor com uma linguagem fluida, de sonho, quase poética, que emula tanto a intoxicação/alucinação que os dois antropólogos experimentam várias vezes no livro, quanto os desvios que a narrativa faz, serpeante como a dos rios amazônicos.  Não se trata de entretenimento fácil, escapismo num universo de fantasia, malabarismo de paradoxos históricos e sociológicos, cousas que são comuns na literatura brasileira contemporânea. Bueno. Só sei que eu mesmo preciso ler certos livros antigos de Joca Terron: "Curva do Rio Sujo" e também "Do fundo do poço se vê a lua", por exemplo. Se um necessário meteoro não nos atingir no futuro, talvez, é algo que certamente farei. Logo vamos a ver. Vale! 
Registro #1475 (romance #370) 
[início: 17/10/2019 - fim: 21/10/2019]
"A morte e o meteoro", Joca Reiners Terron, São Paulo: Editora Todavia, 1a. edição (2019), brochura 13,5x21 cm, 116 págs. ISBN: 978-656-80309-50-4

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