Quem me deu a dica sobre este livro foi o Pedro Brum Santos, um pesquisador das letras e também boleiro, bem como narrador de futebol. Eu mesmo não jogo futebol, muito eventualmente assisto uma partida, estive em estádios apenas duas vezes e simplesmente não suporto aqueles programas de televisão onde um bando de patetas fica analisando os jogos do dia, do ano, das eras, como se a humanidade dependesse de algum lampejo surjido dali para se redimir. Porque li este livro afinal? Acontece que tenho obsessão por informações de qualquer natureza, inclusive esportivas, só por isto. E, afinal de contas, preciso me defender dos aficionados do futebol esgrimindo estatísticas e fatos. Bom, vamos ao livro: José Miguel Wisnik apresenta neste livro um consistente estudo histórico e sociológico sobre o fenônemo futebol no Brasil e no mundo. É um livro escrito com o rigor de um trabalho acadêmico, mas está longe de ser um livro pesado, pois ele escreve mesmo muito bem. Claro, ele é um entusiasta do futebol e realmente acredita no poder transcendental do futebol como ferramenta de entendimento dos povos. Isto dá ao texto um tom otimista demais, bossanovista demais, como se o Brasil fosse um dia tornar-se politicamente respeitado por conta dos sucessos que alcança no futebol. Gilberto Freyre, Roberto Schwarz, Machado de Assis, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Claude Lévi-Strauss alicerçam o livro, por assim dizer. Além do capítulo inicial de apresentação e final de considerações finais o livro tem duas grandes partes. Na introdução o tom é bem pessoal, onde ele explica seu envolvimento lúdico com o tema, mas já avisa que não perderá a mão firme do acadêmico que irá lhe guiar. Na segunda parte ele conta uma história do futebol, sua gênese, suas diferenças com os outros esportes, sua abrangência mundial. Na terceira parte ele usa a história das copas do mundo para descrever como o futebol praticado no Brasil se tornou eficiente, exemplar, invejado e tantas vezes campeão do mundo. O livro foi escrito entre duas copas, a de 2002, em que a seleção brasileira foi campeã, e a de 2006, onde a seleção brasileira perdeu sem ao menos chegar a final. As repercusões desta derrota ainda estão mal digeridas no livro, enquanto que o sucesso do formato utilizado em 2002, truncado e forçado, sem espetáculos e firulas, é discutido como contraponto ao futebol arte e a própria essência do futebol brasileiro em várias partes do livro. Há muito estofo histórico, filosófico, psicológico e sociológico nestas duas partes. Na quarta e última parte ele faz um sumário do que foi discutido e repete o que eu acho ser a tese central de seu livro: o quanto o futebol é privilegiado como ferramenta para entender, pois exemplarmente supera e renega, aquilo que ele define como "o paradoxo da escravidão brasileira" (que eu precisaria de um bom tempo neste blog para tentar explicar, se é que eu entendi bem). É um livro para se ler e refletir. Talvez um sujeito com menos preconceito que eu com o futebol possa acompanhar melhor as teses do livro. Vou pensar um tanto mais em tudo o que ele escreveu. O livro inclui muitas e generosas notas, além de um índice remissivo. Fiquei feliz em encontrar minha amiga Maria Luíza Kahl citada no livro, bem como em saber que o Maracanã foi inaugurado em um bloomsday, o bloomsday de 1950, mais uma efeméride joyceana para ser lida no ano que vem. Curiosamente a idéia e/ou motivação do livro parece ter saído de um trabalho do diretor de cinema italiano Pier Pasolini. Um trabalho onde este compara o futebol a uma linguagem e confronta jogadores italianos aos escritores daquela época, observando analogias entre os vários estilos e principalmente dividindo-os esquematicamente em futebol jogado em prosa e futebol jogado em poesia. Divertido não? [início 10/06/2009 - fim 07/07/2009]
"Veneno remédio: o Brasil e o futebol", José Miguel Wisnik, editora Companhia das Letras (1a. edição) 2009, brochura 14x21, 446 págs., ISBN: 978-85-359-1228-9
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