Não faz muito tempo que li "Indignation", o penúltimo - e muito bom - livro de Philip Roth. Este ano ele publicou "The humbling", que não foi muito bem recebido pela crítica nos EUA. Bem. Quando vi este "Los hechos" na vitrina de uma das livrarias da Aribau em Barcelona, sabia que ele não ficaria ali nem um minuto mais. "The facts" (que é o título original) foi publicado em 1988, justamente entre "O avesso da vida", de 1986, e "Mentiras", de 1990, ambos já resenhados aqui. Formalmente este é um livro autobiográfico, mas sempre há muita invenção nas coisas que Philip Roth escreve. "O avesso da vida", seu livro anterior a este, é um livro francamente ficcional. Por mais que possamos identificar que várias das situações criadas podem ser associadas livremente com fatos da vida de Roth, aceitamos o livro como pura ficção. Mas a fragmentação das histórias neste livro serve talvez para lembrar o leitor que por entre as frestas das vidas vividas e das vidas contadas nós - homo sapiens sapiens - sabemos nos esconder bem. Já em "Mentiras", publicado dois anos depois de "Los hechos" Roth volta a usar seu próprio nome (e provavelmente coisas de sua vida pessoal). O leitor é induzido a permanecer em dúvida se deve ou não continuar identificando o narrador e protagonista da história com o escritor. Em "Los hechos" há um hibridismo entre realidade e ficção mais explícito. O livro começa e termina com cartas. A primeira é de Roth para um personagem (o mercurial Nathan Zucherman, seu alter-ego). A segunda deste, Zucherman, respondendo à Roth. Ele fala brevemente, mas de forma cruel, sobre os problemas acredita ter encontrado no enredo e na construção do romance que estamos lendo. As duas cartas funcionam como uma crítica automática e antecipada do livro. Entre as duas cartas encontramos no livro seis passagens biográficas de Roth: as duas primeiras bem curtas, uma sobre seu pai e a outra sobre sua infância de menino judeu em sua Newark natal. As demais um tanto mais extensas: uma sobre sua vida na universidade, seus primeiros relacionamentos amorosos; outra sobre sua vida com sua primeira mulher, seus projetos pessoais; a seguinte sobre a indignação que seu primeiro livro - Goodbye, Columbus - gerou na comunidade judaica; e a última sobre sua crise de peritonite, suas complicadas tentativas de divórcio e a acidental morte de sua primeira mulher - que formam a parte mais divertida do livro - e também sobre o sucesso comercial de seu terceiro livro - Complexo de Portnoy. Na segunda carta Zucherman censura o livro, aponta omissões e falhas, lamenta as elisões, pede a opinião de sua mulher inglesa - que igualmente censura a própria existência ou idéia do livro. Zucherman sugere por fim que Philip Roth faça a barba, que seja menos judeu, que não se deprima mais. Trata-se de um livro muito divertido. Se inegavelmente devemos classificá-lo de auto-biográfico, ao menos podemos dizer que Roth utiliza uma forma muito especial de contar certas passagens de sua vida. Lembro-me de que ao ler "Mentiras" fiquei curioso por entender melhor onde ficava a fronteira entre ficção em realidade. Aparentemente Roth - que teve mesmo uma depressão e passou por um longo período de recuperação de saúde após uma intervenção cirúrgica logo após a publicação de "O avesso da vida" - experimentou uma crise de falta de criatividade após vinte anos bastante produtivos. Ao produzir "The facts" parece reiniciar seu trabalho, sua obra literária, tateando um tanto em terreno conhecido, e o faz pedindo a opinião de seu alter-ego favorito. [início 22/11/2009 - fim 26/11/2009]
"Los hechos", Philip Roth, tradução de Ramón Buenaventura, ediciones Debolsillo (1a. edição) 2009, brochura 12,5x19, 254 págs. ISBN: 978-84-8346-782-4
Nenhum comentário:
Postar um comentário